|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Materialismo exagerado fortalece extremismo, diz ativista americano
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Benjamin Barber, 64, é professor de sociedade civil na Universidade de Maryland (EUA) e um
ativo defensor da democracia e da
sociedade civil global. Para o autor de "McMundo x Jihad", o materialismo agressivo americano
gera insatisfação e fortalece o fundamentalismo islâmico. Ele foi assessor informal do presidente Bill
Clinton entre 1994 e 1999.
(HP)
Folha - Como o sr. vê a luta de
Bush contra o terrorismo?
Benjamin Barber - O governo
Bush pôs toda a sua fé na supremacia militar e econômica americana. Podemos ganhar a batalha
contra o Taleban no Afeganistão e
contra a Guarda Republicana no
Iraque, mas nossa força militar
suprema é assimétrica em relação
à ideologia fundamentalista e às
táticas terroristas. "McMundo" é
ele mesmo a causa da jihad: o materialismo secular exagerado de
um mundo ocidental que fala sobre democracia, mas pratica o capitalismo global, que fala sobre liberdade, mas exporta hambúrguer e basquete.
Folha - Qual deveria ser o papel
dos EUA hoje?
Barber - Os EUA deveriam
apoiar as leis internacionais, o
multilateralismo, como fez após a
Segunda Guerra, quando tinha
mais poder que hoje. Muitos
achavam que os EUA deveriam
seguir da Alemanha até a URSS.
Mas os EUA acreditaram que a
democracia floresceria sob a lei e a
cooperação. E democracia não é
apoiar governos de que a gente
gosta. Na Argélia, em 1991, um
partido moderado islâmico ganhou o primeiro turno de uma
eleição, e o governo francês, com
apoio dos EUA e em conluio com
o Exército argelino, acabou com a
democracia, lançando o país numa guerra civil de dez anos que
massacrou milhares de pessoas.
Apoiar a democracia significa
também apoiar o direito das pessoas de cometer erros.
Folha - O que é a democracia preventiva que o sr. sugere como alternativa à guerra preventiva?
Barber - É construir instituições
da sociedade civil de baixo para
cima, que criam cidadania. Você
não tem democracia sem cidadãos, e para isso é preciso educação e livre expressão religiosa. Se
os Estados Unidos quisessem
apoiar a educação, teriam posto
um tanque diante de cada escola
quando invadiram Bagdá, e não
na frente do Ministério da Energia! Hoje no Afeganistão há pouquíssimas escolas, e em nosso
aliado Paquistão há 30 mil madrassas [escolas islâmicas] que inculcam ódio ao Ocidente.
Folha - Mas esse tipo de ação não
é mais invasiva ainda?
Barber - Você tem de trabalhar
com instituições democráticas
autóctones. Você não pode exportar a Declaração de Direitos
americana, não pode chegar e dizer: vamos transformar Bagdá em
Hollywood! Em sociedades onde
homens e mulheres têm papéis
culturais diferentes, você deve inicialmente criar instituições que
dêem poder a ambos em suas respectivas esferas.
Folha - E por que então não deixar simplesmente que cada sociedade siga seu caminho?
Barber - Em parte por causa da
preocupação com nossa segurança. Um mundo mais democrático,
onde as pessoas não sejam subjugadas, é um mundo onde o terror
não é atraente. Mas você não dá
autonomia às pessoas na ponta
do fuzil. Há um papel para a presença americana na manutenção
da paz, mas como parte de uma
presença internacional e da ONU.
No Haiti, gostaria que tivéssemos
chamado o Brasil e a Venezuela
para participar [da resolução do
conflito]. Se outros têm visões diferentes, por que não estão envolvidos, e por que os EUA insistem
em fazer as coisas sozinhos?
Folha - Como o sr. vê o debate
atual na sociedade americana sobre o novo papel dos EUA?
Barber - O 11 de Setembro mostrou que os EUA não conseguem
nem defender o Pentágono. Outra
questão é a do livre movimento de
capital e de empregos no mundo.
Muitos americanos estão assustados com o fato de que as duas
coisas que mais os afetam, a situação econômica internacional e o
fundamentalismo islâmico internacional, estão fora de seu controle. Para Bush, se nós perdemos soberania dentro dos EUA, devemos estender a soberania no
mundo. Mas muitos americanos
acham que é preciso tornar os
EUA mais participantes do mundo, trabalhando com parceiros e
aliados.
Folha - Como o sr. viu a derrota de
um aliado de Bush na eleição espanhola, após os atentados de Madri?
Barber - É ambíguo, mas não foi
uma vitória do terrorismo, como
se disse nos EUA. Como nos casos
Watergate, Irangate e Monica Lewinsky, a questão não é o que você faz, mas o que você abafa. Se eu
sou Osama bin Laden, estou bem
melhor com Bush e a Guerra do
Iraque. A Guerra do Iraque é um
milagre para Osama.
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Frase Índice
|