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São Paulo, domingo, 11 de maio de 2003

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PÁTRIA OU MORTE

Para Alina Fernandez, que mora nos EUA, atual onda de repressão visa dissidentes cuja voz é ouvida no exterior

Diálogo é inútil em Cuba, diz filha de Fidel

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Fidel Castro aproveitou a ocorrência da guerra no Iraque para realizar um expurgo que considerava necessário para calar as críticas internacionais a seu regime. Foram encarceradas, em Cuba, as vozes contrárias a seu governo mais conhecidas no exterior.
As afirmações são de Alina Fernández, filha ilegítima do ditador cubano e autora de "Alina: Memórias da Filha de Fidel Castro", que vive atualmente em Miami.
Nascida em 1956, ela só ficou sabendo que era filha de Fidel aos dez anos de idade. Foi modelo e diretora de uma empresa cubana antes de deixar a ilha e não fala com o pai há mais de uma década.
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.

Folha - Como a sra. vê a recente onda de repressão a dissidentes políticos em Cuba?
Alina Fernández -
Quando faz alguma coisa, Fidel não tem em mente apenas um objetivo, mas vários. Assim, silenciando os dissidentes, sobretudo líderes como Marta Beatriz Roque e Oscar Elías Biscet, que eram as vozes da oposição cubana que atingiam o mundo todo, ele buscou calar todos aqueles que, do exterior, atacam suas ações.
É por isso que Fidel permite que dissidentes que tentam reformar a Constituição cubana para mudar o regime, como Oswaldo Payá, Elizardo Sánchez e Vladimiro Roca, continuem ativos. Afinal, eles defendem a posição do regime em relação a muitos temas, como o embargo americano.
Os opositores que foram presos não aceitavam dialogar com o governo e acabaram na prisão. Fidel aproveitou a ocorrência da guerra no Iraque para realizar um expurgo que considerava necessário para calar as críticas internacionais a seu regime. Este, com isso, mostrou que o diálogo é absolutamente inútil em Cuba.
Ademais, Fidel sabe que o país terá uma grave crise econômica em breve, e, para ele, o único modo de evitar a instabilidade social é colocar medo na população. Atualmente, em Cuba, as pessoas não se atrevem nem a fazer compras no mercado negro por medo da repressão oficial.
Ele também busca provocar uma reação dura dos EUA porque é um velho ditador que sabe que não lhe restam muitas outras coisas a fazer, além de dizer que Washington está por trás dos problemas que atingem a ilha.

Folha - Qual é sua relação com os opositores cubanos?
Fernández -
Antes de deixar Cuba, em dezembro de 1993, eu fazia parte do grupo dos dissidentes. Tive de fugir para retirar minha filha do país. Antes disso, todavia, eu era muito ligada aos maiores opositores cubanos.
Vivo em Miami há dois anos e faço parte da comunidade cubano-americana que vive aqui. Todos queremos a mesma coisa: a liberdade de Cuba. Tenho, portanto, uma relação muito estreita com a comunidade cubano-americana. Por outro lado, não pertenço a nenhuma organização nem criei nenhuma fundação. Não tenho aspirações políticas.

Folha - Que tipo de regime a sra. gostaria de ver em Cuba?
Fernández -
Cuba precisa de liberdade. No início da transição, os cubanos deverão ter em mente um certo nacionalismo, pois, caso contrário, ficarão tão à mercê dos interesses estrangeiros quanto são quase escravos do regime hoje. O próximo governo tem, portanto, de levar isso em conta para que os cubanos possam voltar a prosperar em seu país.

Folha - Após a morte de Fidel, Raúl Castro (irmão do ditador) tentará manter as rédeas do regime?
Fernández -
Tudo o que acontecerá em Cuba dependerá da vontade dos americanos. Se os EUA quiserem que Raúl comande a transição, isso ocorrerá. Washington teme um êxodo maciço dos cubanos em direção às praias da Flórida e fará o que considerar necessário para evitá-lo.
Os EUA vão apoiar uma solução que assegure a manutenção dos cubanos na ilha. Na verdade, os americanos têm sido cúmplices do castrismo há muito tempo, embora não admitam isso publicamente. Fidel está no poder porque Washington aceita isso. O próprio embargo não é verdadeiramente aplicado, pois os americanos o contornam, passando por outros países. Se tivesse sofrido sanções econômicas reais, o regime cubano já não mais existiria.

Folha - Por que a sra. rompeu com o regime e com seu pai?
Fernández -
Porque não existe a mais elementar justiça social no país. O regime é tenebroso e mafioso, além de violar os direitos humanos mais básicos diariamente. Há uma ditadura terrível em Cuba, que não pensa na população. Espero que os cubanos consigam construir uma democracia verdadeira, porém isso não ocorrerá rapidamente.


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