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análise
Bush atraiu a Geórgia para ferir os russos
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
O atual conflito do Cáucaso não seria possível, em que
pese a questão étnica na Ossétia do Sul, se os Estados
Unidos não tivessem insuflado a Geórgia a uma posição
de confronto com a Rússia.
A pequena ex-república
soviética se tornou para a administração Bush um dos
três pilares dessa política. Os
dois outros foram Kosovo e o
escudo antimísseis, que o
Kremlin também considera
contrários a seus interesses.
No caso da Geórgia, o nó
górdio está em sua pretensão
de se integrar à Otan, a aliança militar ocidental. Iniciativa que Vladimir Putin, ainda
quando presidente russo,
qualificou de "inaceitável", já
que um país na fronteira russa pertenceria a uma aliança
potencialmente hostil.
Não cabe exclusivamente a
Washington a iniciativa de
autorizar o ingresso da Geórgia ao bloco. Os demais integrantes devem ser consultados. E a Alemanha deu claramente a entender que expressaria seu veto, porque o
território georgiano não está
estabilizado (Ossétia do Sul e
Abkházia), e qualquer conflito levaria ao envolvimento
em peso de toda a aliança.
Se Bush deu corda no presidente Mikhail Saakashvili,
é porque sabia que estaria
mexendo num dos nervos
mais sensíveis do Kremlin. É
como se, para Washington,
irritar e enfraquecer a Rússia
ainda fossem de algum modo
uma prioridade política.
Kosovo e escudos antimísseis foram também encaminhados pelos americanos de
modo a gerar tensões. A independência unilateral de
Kosovo significou o desmembramento territorial da
Sérvia, aliada histórica da
Rússia por questões étnicas
(o eslavismo) e religiosas (a
igreja ortodoxa) desde as intervenções conflituosas nos
Bálcãs do Império Otomano.
É claro que os albaneses
étnicos de Kosovo poderiam
continuar protegidos sob outras formas de tutela que não
a criação de um novo Estado.
Mas a independência irritaria a Rússia. Foi a solução
preferida por uma parcela da
União Européia e sobretudo
pelos americanos.
Quanto ao escudo, há dois
fatores. Torna-se operacional com instalações na Polônia e na República Tcheca,
ex-dependentes da União
Soviética. Mas a utilidade
militar do dispositivo é duvidosa contra mísseis norte-coreanos e iranianos.
A Coréia do Norte já foi domesticada, tanto que desmantelou o programa nuclear com o qual chegou a
produzir um simulacro de
bomba atômica. Quanto ao
Irã, qualquer tipo de míssil é
ameaçador, e não só os de
longo alcance. Está em jogo a
sobrevivência de Israel e o
equilíbrio do Oriente Médio.
Não seriam os poloneses
ou os tchecos que resolveriam o problema. O escudo
passa a valer por mexer com
os nervos de Moscou.
O tigre russo foi espetado
com vara curta. E agora reage
à aventura do presidente
Saakashvili, que, a bem da
verdade, não chegou a invadir na sexta o território sul-ossetiano sob ordens ou com
o aval explícito americano.
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