São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Uma terceira via palestina

PAULO DANIEL FARAH
ENVIADO ESPECIAL A RAMALLAH

Uma terceira via palestina como alternativa ao governo atual e aos grupos que defendem a violência como meio legítimo para pôr fim à ocupação israelense. A idéia vem se difundindo nas cidades e aldeias palestinas da Cisjordânia e da faixa de Gaza e angariando apoio para reformas internas e ações pacíficas, segundo líderes políticos e da sociedade civil, analistas e habitantes dos territórios palestinos ouvidos pela Folha.
Iasser Arafat encontra-se isolado no único prédio em pé dentro da Muqataa, a sede da liderança palestina. Todas as construções em seu redor foram derrubadas, tal como uma parte considerável da infra-estrutura palestina. Apesar de o cerco ter elevado a popularidade de Arafat, que alega não poder promover reformas em um cenário marcado por toques de recolher e reocupação, novas lideranças começam a despontar.
"Não é aceitável que haja apenas a autoridade atual e, do outro lado, o Hamas. Nós estamos totalmente determinados a promover uma terceira via, a das forças democráticas, contra a autocracia atual. A terceira alternativa não é apenas em prol da libertação palestina e do fim da ocupação israelense, mas também para construir uma Palestina democrática, uma Palestina que seja transparente, com leis legítimas e um governo competente", afirma o médico Mustafa Barghouti, 49. Ele é o principal líder, na Cisjordânia, da Iniciativa Nacional Palestina (Al Mubadara al Wataniyya al Filastiniyya), grupo que defende a realização de eleições imediatas e mais transparência na administração palestina, além da fundação de um Estado soberano.
A iniciativa conta com o respaldo de palestinos no exterior, como o filósofo Edward Said, nos EUA. "Ao contrário do governo atual, a Iniciativa Nacional Palestina [INP" propõe libertação, não cooperação com a ocupação israelense. Conta com amplo apoio na sociedade civil e, como consequência, não inclui nenhum militar ou agente de segurança em seu quadro e não se ajusta à ocupação para convir às elites e aos VIPs."
Dez dias atrás, o Conselho Eleitoral Palestino recomendou formalmente a Arafat o adiamento das eleições, programadas inicialmente para a próxima quarta-feira, alegando dificuldades em promover a votação devido à presença de forças israelenses em cidades reocupadas. Apesar disso, oposicionistas argumentam que, sob uma supervisão internacional, a população poderia escolher quem deve liderá-la.
Segundo Azmi Shuaybi, ex-integrante do Conselho Legislativo Palestino, "é preciso garantir que a Palestina se torne independente como um Estado democrático para evitar que se torne mais uma ditadura no Oriente Médio".

Vácuo a preencher
A líder feminista Amal Khreishe, 45, integra a INP e diz que, atualmente, "há duas correntes principais na política palestina: os grupos islâmicos e o Fatah. No meio, há um grande vácuo, e nós tentamos preencher esse vácuo". "Acreditamos em eleições e direitos civis. Através desse processo, vamos nos fortalecer para enfrentar a ocupação israelense. A iniciativa tem três estratégias: 1) pôr fim à ocupação e obter nossa independência; 2) reformar o sistema palestino e promover a democracia na Palestina; e 3) pôr fim ao sistema de cantões em vigor na Palestina. Para isso, requeremos proteção internacional."
Diretora-geral da Organização das Trabalhadoras Palestinas, que integra 89 grupos de mulheres na Cisjordânia e em Gaza, Khreishe afirma que "as mulheres estão se preparando para votar e para concorrer às eleições a fim de assegurar um Estado democrático".
Para o cientista político palestino Ali Jerbawi, "Israel exige a remoção de Arafat do governo como um golpe de retórica porque sabe que isso só o fortalece e impede as negociações. Mas não devemos deixar de lutar pela democracia, até porque isso vai dificultar os subterfúgios israelenses".
"Nos últimos 50 anos, nós nos concentramos na fundação do Estado. Sempre pensávamos na forma, acreditando que depois viria o conteúdo. Eu, particularmente, quero uma Palestina democrática. As eleições propiciam um regime democrático, mas não o garantem. Se não houver um programa político, social e econômico claro, ficará mais difícil combater a ocupação. Nós precisamos de partidos políticos com programas claros. Há instituições e movimentos, mas nós precisamos de partidos. É verdade que a ocupação atrapalha a democracia, e muito, mas não podemos impedir que isso nos proíba de construir a base para a democracia", analisa.
As críticas à atual administração também provêm de membros do governo. Segundo Qaddura Fares, deputado do Fatah (grupo político de Arafat) no Conselho Legislativo Palestino, "o Fatah precisa de uma ampla reformulação, de gente nova". Acusações de corrupção não atingem apenas a administração palestina. De fato, ameaçam a candidatura do premiê de Israel, Ariel Sharon. De acordo com Yaron Ezrahi, 62, cientista político israelense e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, "agora há uma forte chance de que ele perca a eleição -não pelo fracasso na área de segurança, apesar da força usada contra os palestinos, mas devido ao escândalo de corrupção".


Texto Anterior: Panorâmica - Acidente: Equipes de resgate acham avião que desaparecera na Amazônia peruana
Próximo Texto: 'Situação em Gaza prejudica nossa iniciativa'
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.