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AMÉRICA LATINA
Número de mulheres presas cresceu 90% entre 1999 e 2002; especialista vê desemprego e desigualdade como causas
Cresce delinquência feminina na Argentina
ELAINE COTTA
DE BUENOS AIRES
Segunda-feira. Duzentos policiais cercam uma casa simples localizada num bairro pobre da
Grande Buenos Aires. Estão
prontos para prender a líder de
uma quadrilha que articulou pelo
menos dez sequestros na cidade.
Cumprem a missão. Silvina é levada para uma prisão feminina.
Poucas horas depois, é transferida
para um instituto de menores.
Tem apenas 15 anos e é considerada uma das criminosas mais perigosas da Argentina.
"As pessoas me acham um
monstro. Só queria ter um filho e
dar aulas de natação", desabafa.
No caso da adolescente, a fatalidade levou às drogas. Aos dez anos
perdeu o pai. Aos 11, a mãe. Com
12 anos praticou o primeiro roubo. No último sequestro, recebeu
US$ 10 mil. "Gosto de roupa transada e tênis de marca. Esse [aponta para o pé] custou 500 pesos
(US$ 180)", afirma.
Silvina é apenas mais uma das
milhares de jovens e mulheres argentinas que enveredaram pelo
crime nos últimos anos. Pesquisa
do Ministério da Justiça realizada
no ano passado mostrou que, desde 1999, a delinquência juvenil
cresceu 140%. E a participação de
mulheres em crimes como sequestro, roubo e tráfico também,
apesar de ainda ser menor que a
dos homens.
Entre 1999 e 2002 -anos de recessão econômica- a população
carcerária feminina cresceu 90%.
As presas são cada vez mais jovens. A detenção de pessoas entre
16 e 20 anos aumentou 63% nesses quatro anos. Se a comparação
for feita somente entre os jovens
de 16 e 17 anos, o salto foi de
800%.
"Os piores efeitos das crises recaem sobre as mulheres. Isso se
traduz em um notório aumento
da delinquência feminina, conduzida por meninas muito jovens,
que carregam uma série de frustrações e que não têm um horizonte positivo pela frente", afirma
a ex-ministra do Desenvolvimento Social da Argentina Graciela
Fernández Meijide.
No início deste ano, a economia
Argentina começou a dar sinais
de recuperação após quatro anos
consecutivos de recessão. De 1999
a 2002, o PIB (Produto Interno
Bruto) caiu quase 20%. A fome
atinge 1,4 milhão de famílias, segundo estudo do Banco Mundial,
e mais de 50% dos 36 milhões de
habitantes vivem abaixo da linha
da pobreza.
Soma-se a isso a falta de trabalho. Segundo dados do Indec, instituto de estatísticas do governo,
17,9% da população está desempregada. Outros 20% estão subempregados.
"O vínculo da distribuição de
renda com a taxa de delitos é cada
vez mais alto", afirma o professor
da UBA (Universidade de Buenos
Aires) Eduardo Pompei. Segundo
ele, o desemprego e a desigualdade social incidem diretamente sobre a violência.
Estudo
Um estudo realizado pela socióloga Silvia Severini sobre a vida da
população carcerária feminina na
Argentina defende que a maior
participação da mulher no mundo do crime também pode ter razões sociais. O trabalho foi realizado para o Conselho Nacional da
Mulher, na Argentina, e afirma
que a liberdade conquistada pela
mulher após a década de 70 abriu
maiores possibilidades para a
prática de "transgressões".
"Conforme a mulher vai se desprendendo dos controles sociais
informais que moldaram suas
condutas durante anos, ela, de
certa maneira, adota comportamentos que, anteriormente, correspondiam apenas aos homens",
afirma a pesquisadora. "Também
pode-se dizer que a mulher saiu
do cenário doméstico para atuar
em áreas antes nunca pensadas,
entre elas o crime".
A pesquisadora, no entanto, admite que não existe até hoje uma
pesquisa que trace de forma fidedigna as razões psicológicas e sociais que levam a mulher à criminalidade. "Existem diversas ópticas e a maioria ainda não tem
uma resposta concreta", diz.
"Não há como saber até que ponto as mudanças sociais podem ter
influenciado esse comportamento", afirma.
"O delito é uma forma de transgressão social, de combate ao
controle. As mulheres, por muitos
anos, foram controladas e educadas para não romper limites. Isso
mudou", diz.
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