|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
O silencioso trabalho pela paz
MOACYR SCLIAR
ESPECIAL PARA A FOLHA
Construir a paz no Oriente Médio lembra o mito de Sísifo, aquele que afanosamente levava uma
pedra montanha acima apenas
para vê-la rolar encosta baixo no
momento seguinte. Mas o teimoso Sísifo acreditava que um dia
fosse triunfar em sua tarefa e, neste sentido, tem seguidores naquela que é decerto a mais conturbada região do mundo.
Iniciativas de paz são coisas das
quais se fala pouco, pois, de maneira geral, conflito fala mais alto
que consenso, guerra fala mais alto do que paz. Pouco se menciona
as iniciativas feitas para abrir canais de comunicação entre os beligerantes. Tais iniciativas são,
contudo, numerosas e levadas a
cabo em vários locais.
Exemplo: o Hospital Hadassah,
de Jerusalém. No conhecido centro de excelência médica, profissionais israelenses e palestinos
trabalham lado a lado, muitas vezes tratando de salvar vítimas de
atentados terroristas e também
palestinos feridos, como foi o caso
de Samer Qawasbeh, baleado no
abdome durante o sítio israelense
à Igreja da Natividade, em Belém.
Com o ferimento gangrenado e
correndo risco de morte, Samer
foi operado várias vezes e salvou-se, regressando à casa de sua família em Belém.
Também são importantes as experiências de convivência. Destas
é um exemplo a aldeia de Neve
Shalom, onde, há 30 anos, famílias israelenses e palestinas vivem
em comum. A Universidade de
Tel Aviv leva a cabo, em Jaffa, diversos programas dirigidos a árabes e judeus: educação de mulheres, treinamento na administração de conflitos, teatro para crianças e uma escolinha de futebol, esporte tão popular em Israel quanto o é no Brasil.
O futebol também desempenha
um papel importante nas atividades do Centro Árabe-Judaico para
a Paz, fundado em 1949 no Kibutz
Guivat Haviva. Ao lado do Maccabi, clube de futebol de Tel Aviv,
o centro criou uma escola para o
desenvolvimento do esporte entre adolescentes palestinos e israelenses: o programa Gols para a
Paz. A convivência prossegue fora
do estádio; os jovens são estimulados a se visitarem mutuamente.
Convivência também é o objetivo
do programa Crianças Ensinam a
Crianças, um dos vários desenvolvidos pelo centro, que é dirigido por Mohammad Darawshe,
árabe-israelense cuja família vive
há 27 gerações na aldeia de Iksal,
no norte de Israel.
Diplomado numa universidade
israelense, Darawshe é um defensor da causa da paz, apesar do difícil clima gerado pela Intifada,
pelo terrorismo, pela repressão
militar israelense e pela queda do
investimento governamental nas
regiões povoadas por árabes.
Recentemente Darawshe assumiu a direção de um novo programa, o Uma Só Voz, apoiado por
um grande número de organizações: o Congresso Judaico Mundial, o Instituto Árabe-Americano, além de celebridades como o
ator Brad Pitt e sua mulher, Jennifer Aniston. Líderes israelenses e
palestinos também participam,
entre eles o xeque Taisir Tamini e
Yasser Abbas, filho do primeiro-ministro da Autoridade Nacional
Palestina, Mahmoud Abbas (mais
conhecido como Abu Mazen).
"O objetivo desse projeto é dar
voz à maioria silenciosa que, em
ambos os lados, quer a paz", diz
Darawshe. A comunicação entre
palestinos e israelenses será facilitada pela distribuição de centenas
de terminais de computadores a
centros comunitários, ONGs e escolas, através dos quais serão debatidas questões como o estabelecimento de fronteiras seguras, a
situação dos refugiados palestinos e o futuro de Jerusalém.
O estrondo das explosões é o
som que mais caracteriza o Oriente Médio de hoje. Mas, nos raros
intervalos de silêncio, é possível
ouvir o tênue sussurro da paz. E
isso representa, no mínimo, uma
esperança.
Texto Anterior: Governo anuncia plano anticrime Próximo Texto: Oriente Médio: Hamas volta a atacar polícia palestina Índice
|