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Biblioteca do Iraque acusa ONG binacional de saquear arquivo
Documentos que revelam laços de iraquianos comuns com regime de Saddam Hussein estão com fundação, que cedeu custódia a universidade americana
HUGH EAKIN
DO NEW YORK TIMES
Nos primeiros dias após a invasão do Iraque, em 2003, Kanan Makiya, acadêmico e exilado iraquiano residente nos
EUA, topou com um potencial
tesouro de documentos em
Bagdá: arquivos do Partido
Baath que registram o grau de
lealdade de cerca de 2 milhões
de iraquianos comuns ao regime de Saddam Hussein durante seus últimos anos no poder.
Makiya, que escrevia há anos
sobre os abusos cometidos por
Saddam, reconheceu imediatamente o valor do arquivo para a
memória cultural do Iraque -e
também seu potencial para ser
mal usado durante a volátil
transição política do país. "Era
pura dinamite."
Depois, a Fundação Memória do Iraque, organização privada financiada por Makiya,
com sede em Washington e
Bagdá, assumiu a custódia do
arquivo, e, em janeiro, fechou
acordo para que o Instituto
Hoover, da Universidade Stanford, o conservasse por cinco
anos. Para algumas autoridades
iraquianas e alguns arquivistas
americanos, porém, trata-se de
um caso de saque flagrante.
Saad Eskander, diretor da Biblioteca e Arquivo Nacionais do
Iraque, em Bagdá, e Akram al
Hakim, o ministro interino da
Cultura do Iraque, afirmam
que o arquivo foi tomado ilegalmente e pedem devolução.
À primeira vista, a polêmica
pode causar perplexidade. O
Instituto Hoover é conhecido
por suas coleções sobre regimes totalitários. A Fundação
Memória do Iraque é reconhecida por seu trabalho de coleta
de depoimentos de vítimas de
Saddam, que agora passam na
TV iraquiana.
Mas Eskander sugere que a
fundação fez uso de sua influência política para ganhar
controle do material. A Sociedade Americana de Arquivistas
e a Associação Canadense de
Arquivistas concordam: em nota, condenam a coleta como
"ato de pilhagem proibido pela
Convenção de Haia de 1907".
As leis internacionais de
guerra prevêem que uma potência de ocupação detenha documentos ou arquivos necessários para a ocupação. Os EUA
adquiriram e conservam cerca
de 100 milhões de páginas de
outros materiais de arquivo do
Iraque. Mas, na condição de
grupo privado, a Fundação Memória do Iraque não se enquadra nessa norma, disse Mark A.
Greene, presidente da Sociedade Americana de Arquivistas.
Funcionários do Instituto
Hoover e da fundação replicam
que seus objetivos foram mal
interpretados: não reivindicam
a propriedade dos documentos
e ambos concordam que eles
devem ser devolvidos ao Iraque
"no futuro não muito distante",
disse Richard Sousa, do Instituto Hoover. "Não existe neste
momento um bom repositório
para eles no Iraque."
As autoridades iraquianas já
endossaram as atividades da
Fundação Memória em várias
ocasiões, segundo correspondências apresentadas pela fundação. De acordo com elas, a
idéia de guardar os documentos "por um período de tempo"
no Instituto Hoover foi endossada pelo chefe do Estado-Maior do primeiro-ministro
iraquiano Nouri al Maliki.
No entanto, esses endossos
são contraditos por uma carta
de 23 de junho, do ministro Hakim, expressando a "rejeição
absoluta" do Ministério da Cultura. Há duas semanas, Makiya
se reuniu com Al Hakim em
Bagdá para apresentar seus argumentos. Segundo Makiya,
não houve resposta iraquiana.
Os críticos da fundação dizem que a Biblioteca e Arquivo
Nacional do Iraque é o local de
direito para os documentos.
Visto como uma das poucas
instituições culturais de Bagdá
em funcionamento, a biblioteca tem apoio internacional, incluindo o da Biblioteca do Congresso americana, e guarda outros registros do antigo regime.
Makiya argumenta que, devido à menção dos papéis às relações de cidadãos com o governo
de Saddam, é arriscado demais
guardá-los num arquivo geral.
Ele cita casos de países, incluindo Alemanha, Polônia e
Camboja, que criaram novas
instituições regidas por leis especiais para o tipo de documento. E observa que, em janeiro, o
Parlamento iraquiano aprovou
lei pedindo a criação de um arquivo nacional especial para esse tipo de material.
Tradução de CLARA ALLAIN
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