São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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Biblioteca do Iraque acusa ONG binacional de saquear arquivo

Documentos que revelam laços de iraquianos comuns com regime de Saddam Hussein estão com fundação, que cedeu custódia a universidade americana

HUGH EAKIN
DO NEW YORK TIMES

Nos primeiros dias após a invasão do Iraque, em 2003, Kanan Makiya, acadêmico e exilado iraquiano residente nos EUA, topou com um potencial tesouro de documentos em Bagdá: arquivos do Partido Baath que registram o grau de lealdade de cerca de 2 milhões de iraquianos comuns ao regime de Saddam Hussein durante seus últimos anos no poder. Makiya, que escrevia há anos sobre os abusos cometidos por Saddam, reconheceu imediatamente o valor do arquivo para a memória cultural do Iraque -e também seu potencial para ser mal usado durante a volátil transição política do país. "Era pura dinamite."
Depois, a Fundação Memória do Iraque, organização privada financiada por Makiya, com sede em Washington e Bagdá, assumiu a custódia do arquivo, e, em janeiro, fechou acordo para que o Instituto Hoover, da Universidade Stanford, o conservasse por cinco anos. Para algumas autoridades iraquianas e alguns arquivistas americanos, porém, trata-se de um caso de saque flagrante. Saad Eskander, diretor da Biblioteca e Arquivo Nacionais do Iraque, em Bagdá, e Akram al Hakim, o ministro interino da Cultura do Iraque, afirmam que o arquivo foi tomado ilegalmente e pedem devolução.
À primeira vista, a polêmica pode causar perplexidade. O Instituto Hoover é conhecido por suas coleções sobre regimes totalitários. A Fundação Memória do Iraque é reconhecida por seu trabalho de coleta de depoimentos de vítimas de Saddam, que agora passam na TV iraquiana.
Mas Eskander sugere que a fundação fez uso de sua influência política para ganhar controle do material. A Sociedade Americana de Arquivistas e a Associação Canadense de Arquivistas concordam: em nota, condenam a coleta como "ato de pilhagem proibido pela Convenção de Haia de 1907".
As leis internacionais de guerra prevêem que uma potência de ocupação detenha documentos ou arquivos necessários para a ocupação. Os EUA adquiriram e conservam cerca de 100 milhões de páginas de outros materiais de arquivo do Iraque. Mas, na condição de grupo privado, a Fundação Memória do Iraque não se enquadra nessa norma, disse Mark A.
Greene, presidente da Sociedade Americana de Arquivistas. Funcionários do Instituto Hoover e da fundação replicam que seus objetivos foram mal interpretados: não reivindicam a propriedade dos documentos e ambos concordam que eles devem ser devolvidos ao Iraque "no futuro não muito distante", disse Richard Sousa, do Instituto Hoover. "Não existe neste momento um bom repositório para eles no Iraque."
As autoridades iraquianas já endossaram as atividades da Fundação Memória em várias ocasiões, segundo correspondências apresentadas pela fundação. De acordo com elas, a idéia de guardar os documentos "por um período de tempo" no Instituto Hoover foi endossada pelo chefe do Estado-Maior do primeiro-ministro iraquiano Nouri al Maliki.
No entanto, esses endossos são contraditos por uma carta de 23 de junho, do ministro Hakim, expressando a "rejeição absoluta" do Ministério da Cultura. Há duas semanas, Makiya se reuniu com Al Hakim em Bagdá para apresentar seus argumentos. Segundo Makiya, não houve resposta iraquiana.
Os críticos da fundação dizem que a Biblioteca e Arquivo Nacional do Iraque é o local de direito para os documentos.
Visto como uma das poucas instituições culturais de Bagdá em funcionamento, a biblioteca tem apoio internacional, incluindo o da Biblioteca do Congresso americana, e guarda outros registros do antigo regime.
Makiya argumenta que, devido à menção dos papéis às relações de cidadãos com o governo de Saddam, é arriscado demais guardá-los num arquivo geral.
Ele cita casos de países, incluindo Alemanha, Polônia e Camboja, que criaram novas instituições regidas por leis especiais para o tipo de documento. E observa que, em janeiro, o Parlamento iraquiano aprovou lei pedindo a criação de um arquivo nacional especial para esse tipo de material.


Tradução de CLARA ALLAIN


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