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ATENTADOS EM MADRI
Polícia detém suspeitos que podem ter ligação com o extremismo islâmico; Al Qaeda assume autoria do atentado em gravação
Prisões e vídeo reforçam pista islâmica
CLÓVIS ROSSI
Colunista da Folha, em Madri
A polícia espanhola prendeu
ontem, em Madri, três marroquinos, dois indianos e dois espanhóis de origem também indiana,
ação que inclina definitivamente
a investigação sobre os atentados
de quinta-feira para a chamada
"pista árabe", ou seja, para a Al
Qaeda ou grupos a ela ligados.
Em fita de vídeo encontrada
perto de uma mesquita madrilena, um suposto porta-voz militar
da Al Qaeda reivindica os ataques,
conforme informação do ministro do Interior, Ángel Acebes, já
no início da madrugada de hoje
(0h40 em Madri, 20h40 pelo horário de Brasília).
Um anônimo avisou a polícia de
que havia a fita, na qual um homem com roupas típicas árabes e
sotaque marroquino diz: "Declaramos nossa responsabilidade pelo ocorrido en Madri. É uma resposta aos crimes no Afeganistão e
no Iraque. Se não pararem com as
injustiças, haverá mais".
Os sete presos não seriam os autores materiais dos atentados de
quinta-feira, que mataram 200
pessoas (a 200ª vítima morreu ontem), mas responsáveis pelo telefone celular e pelo cartão pré-pago que funcionariam como "timer" de uma bomba que acabou
não explodindo em um dos trens.
Também ontem, as autoridades
espanholas confirmaram a morte
de um brasileiro (leia abaixo).
Os novos fatos ocorridos ontem
virtualmente eliminam a hipótese
de que os atentados tenham sido
praticados pelo grupo terrorista
basco ETA (Euskadi Ta Askatasuna ou Pátria Basca e Liberdade). O
ETA tem um aparato interno próprio, o que dispensa a participação de estrangeiros em suas ações.
Ao anunciar as prisões, o ministro Acebes não descartou que os
detidos possam ter relações com
grupos extremistas marroquinos,
mas disse que "é cedo para estabelecer esse tipo de conexão".
Os sete foram detidos por determinação judicial, o que significa
que a polícia já tinha levantado indícios suficientes para requerer à
Justiça a autorização para detê-los. Os presos estavam sendo interrogados no momento em que
Acebes fez o anúncio das detenções aos jornalistas.
Antes, a rádio Ser atribuía ao
CNI (Centro Nacional de Inteligência), o serviço secreto espanhol, a avaliação de que é "99%
válida a hipótese que aponta a um
atentado de orientação islâmica
radical". A rádio acrescentava que
o atentado teria sido praticado
por um grupo de dez a 15 pessoas,
que "pode já estar fora do país".
As fontes consultadas pela Ser
diziam ainda que não cravavam
que fosse a Al Qaeda, porque a organização de Osama bin Laden
"conta com mais de cem grupos
ou células afins que poderiam estar ligadas aos atentados".
Mas o diretor do CNI, Jorge
Dezcallar, disse, em seguida que
"não é certo e não tem sentido o
noticiado pela Cadeia Ser, no sentido de que abandonamos totalmente uma linha de investigação
em benefício de outra ou outras".
"A verdade, antes de votar"
Para as vítimas, pode não fazer
diferença quem as atacou, se a Al
Qaeda ou ao ETA. Mas para o jogo político e eventualmente eleitoral, é fundamental.
Se se confirmarem os indícios
que apontam agora claramente
para a "pista islâmica", o governo
fica duplamente afetado. Primeiro, pela suspeita de que escondeu
informações. Ontem, cerca de
5.000 pessoas reuniram-se diante
da sede do PP (Partido Popular,
no governo há oito anos) para exigir "la verdad, antes de votar".
Os protestos se espalharam por
outras cidades, forçando o governo a reagir. "O governo desde o
primeiro momento atuou e continua atuando com total transparência", disse o porta-voz do governo, Eduardo Zaplana.
Mas o estrago maior pode vir da
insinuação contida em outro grito
dos manifestantes: "Nuestros
muertos, vuestra guerra".
Ou seja, o atentado teria sido cometido como represália pelo envolvimento do governo na Guerra
do Iraque, contra a opinião majoritária dos espanhóis, e por seu
apoio aos EUA.
Se a possível consolidação da
"pista islâmica" terá ou não efeito
na eleição, é impossível dizer. O
anúncio das prisões foi feito pouco depois de 20h (16h em Brasília). Será certamente a manchete
de todos os jornais de hoje, mas,
se o eleitorado o traduzirá em intenção de votar contra o governo,
é uma questão aberta, ainda mais
que a sociedade espanhola continua claramente em compreensível estado de choque.
Além das prisões, outros elementos somaram-se ontem para
afastar a pista basca.
Miren Azkarate, a porta-voz do
governo basco, considerou crível
o desmentido do ETA, feito em telefonemas ao jornal "Gara" e ao
canal de TV basco. Na mesma linha foi Arnaldo Otegi, dirigente
de Batasuna, partido político próximo ao ETA e que foi declarado
ilegal pelo governo Aznar.
"A pessoa que telefonou ao "Gara" revelou certos fatos e detalhes
que não posso repetir, mas que só
podem conhecer os que conhecem bem o ETA e sua história",
argumentou Otegi no jornal francês "Le Monde".
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