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CONTINENTE ESQUECIDO
Em quatro anos de conflito, mortos chegam a 3 milhões apesar de acordo de paz; estupros explodem
UE teme genocídio na guerra civil do Congo
DA REDAÇÃO
Na República Democrática do
Congo, no conflito conhecido como "a guerra mundial africana"
devido ao envolvimento dos países vizinhos, organizações de direitos humanos calculam que até
3 milhões de pessoas tenham
morrido nos últimos quatro anos.
Os casos de estupro, que passou a
ser usado pelas facções em guerra
como uma arma de intimidação e
controle, são incontáveis e crescentes. E há ainda, segundo refugiados, casos de canibalismo entre tribos rivais.
Prevendo um genocídio iminente após a escalada dos conflitos em Bunia (no noroeste do
país, perto da fronteira com a
Uganda), a União Européia decidiu enviar uma força multinacional de 1.400 homens, que ficará na
cidade até setembro. Cerca de 400
soldados franceses já chegaram à
cidade. Ontem, pela primeira vez,
eles entraram em ação, respondendo a fogo rebelde.
O governo em Kinshasa havia
enviado 600 policiais à região,
mas quase 500 deles fugiram nos
últimos dias. Já a ONU, que mantém uma missão de paz na região,
a Monuc, não tem mandato para
deter os confrontos.
No último mês, quando a situação se intensificou após a retirada
de cerca de 6.000 soldados de
Uganda em obediência a um
acordo de paz com o governo
congolês, cerca de 500 pessoas foram mortas em confrontos entre
as tribos Lendu e Hema. Desde
1999, o saldo chega a 50 mil. Outras dezenas de milhares de pessoas foram forçadas a deixar suas
casas e fugiram da região. Dos que
ficaram, 15 mil se refugiaram nos
subsolos de dois prédios da ONU.
A tropa européia -que reúne
soldados de dez países- ficará
restrita a Bunia, mas a expectativa
é que a presença militar européia
tenha efeito sobre toda a região de
Ituri, uma das mais violentas do
país devido a disputas por sua riqueza em recursos naturais, sobretudo em ouro.
Entretanto o enviado especial
da UE à região, Aldo Ajello, apontou uma dificuldade para ação
das tropas de paz. Segundo ele,
cerca de 30% das milícias em confronto em Bunia são formadas
por crianças, muitas delas dopadas, sob efeito de drogas e álcool.
Estupros em série
Outro rescaldo sinistro da proliferação dos combates e do número de tropas e milícias envolvidas
é a disparada nos casos de estupros entre as congolesas.
O jornal "The New York Times"
publicou, nesta semana, uma reportagem sobre o Centro Alame,
na cidade de Bukavu, que atende
a cerca de 20 vítimas de estupro
por semana. A prática do crime é
facilitada pelas longas distâncias
percorridas pelas congolesas em
áreas ermas, dada a distância entre casas, lavouras e centros comerciais, e pela impunidade.
Segundo Mathilde Mahindo, diretora do centro, a idade das vítimas varia entre 17 e 48 anos. Mas
há casos de crianças e de mulheres de até 80 anos estupradas,
muitas delas recorrentemente, ou
por múltiplos agressores.
O trabalho do centro também é
dificultado pelo fato de o sexo ser
um tabu na sociedade congolesa.
"O estupro não tem lugar na
nossa cultura", disse Mahindo ao
"Times". "Mas mesmo que todos
queiram fechar os olhos, temos de
fazer um escândalo", diz ela.
"[O estupro] é uma ferramenta
efetiva de terror, de assédio, de intimidação da população, que
mantém as pessoas se mudando
[de um lugar para outro]", disse.
Histórico de violência
Ex-colônia belga, o Congo foi
palco de um golpe do Exército
apenas um ano após declarar independência, em 1960. Em 1965, o
general Joseph Mobutu tomou o
poder e mudou o nome do país
para Zaire, governando-o durante 32 anos.
Em 1997, Mobutu foi deposto
com ajuda de tropas de Ruanda.
Kinshasa foi tomada pelos rebeldes, que instalaram no governo o
presidente Laurent Kabila e renomearam o país para República
Democrática do Congo. Kabila,
porém, rompeu com alguns aliados, o que gerou novas tensões.
Em agosto 1998, eclodiu a atual
guerra civil, quando Ruanda e
Uganda enviaram soldados para
auxiliar os rebeldes que lutavam
contra Kabila. Já Zimbábue, Angola e Namíbia enviaram tropas
em apoio ao governo.
Em 16 de janeiro de 2001, Kabila
foi assassinado pelas forças rebeldes. Dez dias depois, seu filho Joseph, 30, foi nomeado presidente.
Em outubro de 2002, Kabila assinou um acordo de paz com as
facções rebeldes para criar um governo de unidade nacional.
Os conflitos étnicos regionais,
entretanto, persistiram.
Com agências internacionais
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