Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CONTINENTE ESQUECIDO
Para Jackie Cilliers, o Conselho de Segurança da ONU só age na África segundo suas prioridades
Analista africano critica "moral seletiva"
PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM FORTALEZA
Os países africanos vêm se envolvendo mais na busca de soluções para conflitos e crises regionais, mas o envolvimento da comunidade internacional é fundamental, afirma Jackie Cilliers, diretor-executivo do Instituto de
Estudos de Segurança da África,
com sede na África do Sul.
"Há um limite claro para a capacidade africana de promover a
paz. A África está fazendo um
grande esforço e engajamento em
prol da paz, mas não há dúvidas
de que o envolvimento da comunidade internacional é fundamental", diz Cilliers, 47.
Folha - Por que o governo de Robert Mugabe intensificou a repressão à oposição no Zimbábue?
Jack Cilliers - A economia zimbabuana está implodindo. A situação é realmente crítica. Eles
não têm dinheiro, petróleo nem
comida suficiente. E não podem
fazer empréstimos para comprar
petróleo. A crise econômica está
agravando a crise política.
Folha - Como a ONU, a Europa e os
EUA devem lidar com Mugabe?
Cilliers - As sanções e o isolamento de Mugabe são uma resposta adequada. O problema na
relação com o Zimbábue e com a
África em geral, no entanto, é que
a Europa e os EUA vêm adotando
uma política de moralidade seletiva. Elaboram uma estratégia
apropriada para lidar com o governo do Zimbábue, mas não
agem quando se trata de países
considerados amigos.
Folha - Qual é o papel da África do
Sul na mediação de conflitos e crises como a que atinge o Zimbábue?
Cilliers - No caso do Zimbábue, a
África do Sul devia ter tomado
uma atitude decisiva, e isso não
ocorreu. As opções têm sido na linha de solidariedade política. A
África precisa de um novo quadro
de líderes que sigam os princípios
de democracia e boa governança.
Atualmente, os líderes africanos
protegem uns aos outros sem levar em consideração a natureza
do governo.
Zimbábue é sem dúvida o principal desafio da política externa
da África do Sul, e é lamentável
que ela não esteja liderando a mediação dessa crise.
Folha - Há alguma iniciativa regional para tentar resolver essa e
outras crises africanas?
Cilliers - Há muitas negociações
e esforços diplomáticos acontecendo. Por exemplo, o Quênia
tenta ajudar a melhorar a situação
no Sudão e na Somália. O problema é que a maioria dos países africanos não tem condições de colaborar significativamente.
São muito poucos os países que
contribuem com as missões de
paz e invariavelmente precisam
da ajuda da comunidade internacional. Há um limite claro para a
capacidade africana de promover
a paz. A África está promovendo
um grande esforço e engajamento
em prol da paz, mas não há dúvidas de que o envolvimento da comunidade internacional é fundamental.
Folha - A crise na Libéria, que se
agravou, pode prejudicar a estabilidade de outros países africanos?
Cilliers - Charles Taylor é um homem que desestabilizou grandes
áreas na região. Seus mercenários
atuam em vários países. A condenação de Taylor [indiciado pela
ONU por crimes de guerra em
Serra Leoa] é um primeiro passo
na direção da paz.
Há uma pressão considerável
na região para que a situação se
resolva, mas uma solução séria
não pode permitir acordos com
pessoas como Taylor. Ele não pode fazer parte da mesa de negociações. A comunidade internacional precisa agir para livrar a região
desse criminoso.
Folha - O sr. defende uma ação
maior da comunidade internacional. Por que isso não vem acontecendo na Libéria? É a moralidade
seletiva a que o sr. se referiu?
Cilliers - Os membros permanentes do Conselho de Segurança
da ONU agem de acordo com
suas prioridades. Por isso, autorizaram uma missão de paz de 50
pessoas na Costa do Marfim, embora o nível de destruição e de
derramamento de sangue seja
maior do que o visto em um país
como o Iraque. É preciso forçar o
Conselho de Segurança a se preocupar com a África porque até
agora ele vem fazendo muito pouco. O CS deveria investir recursos
onde há problemas, não onde estão seus interesses. Como se sabe,
a comunidade internacional não
considera a África prioritária.
Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: EUA enviam força de marines para a Libéria Índice
|