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COLÔMBIA
Relatórios de órgãos públicos apontam falhas na criação de zonas especiais, tentativa de retomar áreas dos terroristas
Plano de segurança de Uribe é questionado
ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO
O governo colombiano falhou
em um dos principais pontos de
sua política de segurança -a
criação de zonas especiais que
marcariam a retomada da presença do Estado sobre territórios
controlados pelos grupos armados ilegais. Essa é a conclusão de
dois relatórios de órgãos públicos
locais (Ouvidoria Pública e Procuradoria Geral), que questionam
a eficácia da medida.
A questão da segurança é considerada a espinha dorsal da política do atual governo. O presidente
Álvaro Uribe foi eleito, em maio
do ano passado, graças à promessa de pulso firme contra os grupos
que mantêm uma guerra civil de
quatro décadas, com mais de
3.500 mortos ao ano.
Os dois relatórios afirmam que
a violência no Departamento de
Arauca, local de uma das duas zonas especiais criadas em setembro
do ano passado, subiu no período, apesar do aumento do efetivo
militar na região. O governo também é criticado por não ter garantido à população civil outras das
promessas feitas com a criação da
zona especial, como programas
de assistência social e econômica.
"A experiência da zona de reabilitação e consolidação de Arauca foi um experimento falho em
termos qualitativos e quantitativos, principalmente se colocado
na perspectiva de direitos humanos", diz o relatório da Procuradoria Geral. "[As ações do Estado] não deram os resultados previstos e, ao contrário, geraram outras dificuldades adicionais, que
vão desde o tema orçamentário
até a exposição da população civil
a um maior risco do que vinha padecendo", diz o texto.
A Ouvidoria Pública, por sua
vez, diz que o estabelecimento da
zona especial não evitou o crescimento dos casos de morte violenta e as ameaças contra as autoridades locais. "As ações do Estado,
ainda que do ponto de vista militar, são muito pobres em resultados", disse à Folha o ouvidor-geral, Eduardo Cifuentes.
As críticas da Ouvidoria e da
Procuradoria Geral são contestadas pelo governo, que acusa os órgãos de "não conhecer a realidade". "A nossa política está destinada a restabelecer o controle estatal onde historicamente as Farc
[Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] e o ELN [Exército de Libertação Nacional] tinham uma presença muito forte",
afirmou o vice-ministro da Defesa, Andrés Soto. "É um processo
que leva muitos anos", disse.
Presença arraigada
O Departamento de Arauca, numa região rica em petróleo na
fronteira com a Venezuela, é um
dos locais onde a presença das
guerrilhas terroristas de esquerda
estava mais arraigada. Os grupos
mantinham relacionamento próximo com a população local, muitas vezes fazendo o papel do Estado na região.
Por conta dessa situação, a região foi escolhida para abrigar
uma das chamadas zonas de reabilitação e consolidação -a outra
foi criada nos Departamentos de
Sucre e Bolívar, no norte do país.
As zonas de reabilitação foram
criadas por decretos presidenciais, possibilitados pelo estabelecimento de um estado de exceção,
também por decreto, dando poderes especiais ao Executivo.
Os decretos das zonas de reabilitação previam, entre outras coisas, o aumento do efetivo militar
nas regiões, a criação de programas de assistência nas áreas de
educação, saúde, trabalho e segurança social, a limitação à circulação de estrangeiros e a possibilidade de as forças militares atuarem com poder de polícia judicial,
podendo fazer buscas, prisões e
escutas telefônicas sem necessidade de mandado da Justiça.
Os dois últimos pontos foram
derrubados com menos de um
mês de vigência pela Suprema
Corte, que os considerou inconstitucionais. O decreto que estabeleceu o estado de exceção acabou
derrubado também pela Suprema
Corte no final de abril, após quase
nove meses de vigência.
O vice-ministro da Defesa se diz
surpreso com a alegação da Procuradoria Geral de que a população civil na região ficou desprotegida, à mercê de possíveis abusos
cometidos por militares. "Em
Arauca estabelecemos uma norma de acompanhamento das
ações militares por parte de um
promotor", diz.
Projetos
Apesar de as zonas de reabilitação não estarem mais em vigência, após o fim do estado de exceção, o resultado da experiência é
considerado importante para as
discussões dos rumos da política
de segurança do governo.
Algumas das medidas adotadas,
como a concessão de poderes de
polícia judicial para o Exército,
poderão se tornar permanentes,
em todo o país, caso o projeto do
Estatuto Antiterror, em discussão
no Congresso, seja aprovado.
No fim de maio a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americanos manifestou, em carta
à chanceler colombiana, Carolina
Barco, preocupação sobre a legislação proposta pelo governo. Para
a comissão, o Estatuto Antiterror
"é incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos". O projeto já passou por
três dos oito debates previstos no
Senado para a sua aprovação.
O vice-ministro da Defesa admite que "o tema [da concessão
de faculdades de polícia judicial
ao Exército] é muito sensível e
controverso", mas afirma que ele
não será imposto, mas o resultado
de "um profundo debate".
"O problema é que vivemos um
círculo perverso, porque não há
autoridade que consiga julgar os
membros dos grupos armados",
afirma Soto. Segundo ele, muitas
vezes as informações e provas recolhidas pelo Exército ao efetuar
prisões de guerrilheiros ou paramilitares são posteriormente recusadas na fase do processo, impedindo a condenação. "O que
queremos é ter agilidade, para
evitar esse tipo de problema."
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