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IRAQUE NA MIRA
Autoridades iraquianas detêm jovens em idade militar; ação deflagra fuga de Província do norte do país
Bagdá prende curdos para evitar levante
PATRICK COCKBURN
DO "THE INDEPENDENT", EM QUSH TEPPA
Curdos começaram a fugir da
Província de Kirkuk, no norte iraquiano, para escapar da prisão
por autoridades iraquianas, que
estão detendo homens em idade
militar para impedir um levante
curdo se os EUA invadirem o Iraque.
"Fugi porque o pessoal de Saddam está prendendo jovens que
poderiam carregar armas num
possível levante", contou na quinta-feira o lavrador Zama Fathi, 23,
que acabara de chegar a Qush
Teppa, no território sob controle
curdo ao norte de Kirkuk.
Ao menos mil curdos já fugiram
de Kirkuk desde que as prisões
começaram, na terça-feira. Fathi
contou: "Tarde da noite, uma pessoa me disse para não ficar na minha casa. Eu e meus dois irmãos
nos escondemos num bairro árabe em Kirkuk, onde eles não iriam
nos procurar. Subornamos soldados numa barreira policial para
nos deixarem fugir".
As prisões são o primeiro passo
do que deverá ser uma luta acirrada pelo controle de Kirkuk. Os
curdos juram que vão restaurar
sua maioria nessa Província iraquiana produtora de petróleo, revertendo décadas de limpeza étnica promovida por Bagdá.
O terror entre os curdos em Kirkuk foi intensificado por relatos
sobre a presença na cidade de Ali
Hassan Al Majid, um notório militar a serviço do ditador iraquiano, Saddam Hussein, conhecido
como "Ali Químico", porque foi
ele quem dirigiu o massacre de
100 mil curdos em 1988, muitos
deles mortos com gás tóxico.
As prisões são efetuadas por homens armados do governista Partido Baath. Hajal, uma mulher de
meia-idade que fugiu de Kirkuk,
contou: "Muitos homens estão
dormindo nos cemitérios locais".
As detenções não se limitam a
Kirkuk. Hajad Bakr, de Dibis, cidade a oeste de Kirkuk, disse:
"Cerca de 50% dos homens deixaram Dibis nos últimos dez dias. A
situação vai piorar à medida que
chegarmos mais perto da guerra".
Os refugiados curdos que chegam ao encrave, que desfruta de
independência "de facto" desde
1991, se juntam a cerca de 300 mil
outros que foram deportados ou
obrigados a partir anteriormente.
A maioria espera poder voltar para suas casas assim que a iminente
invasão americana começar, expulsando os colonos árabes que
as tomaram.
Em seu quartel-general no alto
das montanhas em Salahudin,
Massoud Barzani, o mais poderoso líder curdo, disse que todos os
refugiados curdos devem retornar e tomar o lugar dos colonos,
restaurando a maioria curda em
Kirkuk. "Nosso objetivo sagrado
é levar nosso povo de volta a uma
área que foi arabizada."
A luta por Kirkuk, que se arrasta
há mais de 40 anos, tem tudo para
ser um dos mais explosivos subprodutos da invasão americana.
A Turquia afirmou que vai usar
seu Exército para impedir que os
curdos tomem Kirkuk à força.
Barzani, líder do Partido Democrático do Curdistão, disse que os
curdos devem ser autorizados a
"desarabizar" as áreas que costumavam ocupar e que, se não puderem retornar, ele irá pessoalmente a Kirkuk.
Os EUA já deram a entender
que vão tentar capturar Kirkuk e
os campos de petróleo logo no
início da campanha, para impedir
disputas em torno do controle
dos campos. Mas eles não poderão impedir os curdos de retornarem ao resto da Província. Mesmo na cidade de Kirkuk, seria embaraçoso para as forças americanas se elas fossem vistas empunhando armas para impedir curdos de retornar às suas casas.
O líder curdo negou que tenha
dado aos EUA qualquer garantia
de que não vai tentar capturar
Kirkuk com seu exército de 62 mil
homens, mas disse: "Não é nosso
objetivo tomar a cidade militarmente". Ele afirmou que os turcomanos e outros grupos étnicos
expulsos por Saddam também
voltarão a suas casas -o que é
uma questão importante, já que a
Turquia afirma que a defesa dos
direitos dos turcomanos é uma
razão possível para uma invasão.
Barzani pode não lançar nenhum ataque direto a Kirkuk,
mas isso seria praticamente desnecessário. Os comandantes militares curdos locais acreditam que
os curdos da Província de Kirkuk,
com a ajuda dos refugiados que
estarão voltando, devem iniciar
um levante assim que a invasão
americana começar. É isso o que
Bagdá já está tentando impedir.
Os comandantes militares curdos na linha de frente que passa
logo ao norte da Província de Kirkuk são cautelosos quando se trata de falar de seus planos, mas
acredita-se que a luta por Kirkuk
não vai demorar a começar.
O comandante Nasrudin Mustafa, líder de uma força de "pesh
merga" (soldados curdos) com
seu quartel-general em Qush Teppa, comentou: "Muitos árabes se
preparam para partir. Já enviaram sua mobília pesada para casa,
para facilitar a fuga".
Patrick Cockburn é membro do Centro
de Estudos Estratégicos e Internacionais,
em Washington, e co-autor de "Saddam
Hussein: An American Obsession".
Tradução de Clara Allain
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