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AMÉRICA LATINA
Líder dos cocaleiros quer incrementar a produção da tradicional planta, alvo de repressão por ser a base da cocaína
Presidenciável boliviano defende a coca
ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO
A deplorada coca, planta que
serve de matéria prima para a fabricação da cocaína, pode ser a
base do desenvolvimento econômico da Bolívia. Isso é o que defende o deputado cassado Evo
Morales, líder sindical dos plantadores de coca do Chapare, no centro do país, e candidato a presidente nas eleições do dia 30.
"Queremos ampliar a produção
legal de coca e o mercado internacional para nosso principal produto", diz Morales, que concorre
pelo MAS (Movimento ao Socialismo), criado por ele em 1995.
De acordo com as últimas pesquisas, Morales está em terceiro
lugar entre 11 candidatos, com
11% das intenções de voto, o triplo
do que tinha um mês antes.
O líder, com 27%, é o ex-prefeito de Cochabamba Manfred Reyes, da NFR (Nova Força Republicana). Em segundo lugar está o
ex-presidente Gonzalo Sánchez
de Lozada (1993-1997), do MNR
(Movimento Nacional Revolucionário), com 14%. Outro ex-presidente, Jaime Paz Zamora (1989-1993), do MIR (Movimento da Esquerda Revolucionária), está empatado com Morales, com 11%.
O atual governo boliviano promoveu uma intensa ofensiva contra as plantações ilegais de coca
no Chapare -de 32 mil hectares,
em 1997, para menos de mil, segundo os últimos dados. A redução foi obtida graças, principalmente, ao financiamento dos
EUA para o chamado Plano Dignidade, de erradicação da coca e
troca por cultivos alternativos.
Mas os camponeses do Chapare, liderados por Morales, resistiram o quanto puderam ao fim das
plantações de coca, com greves,
piquetes e muita violência -dezenas de policiais foram mortos
na região nos últimos anos.
A reação dos cocaleiros foi o argumento dos deputados para cassar Morales, em janeiro deste ano.
Para ele, a expulsão foi "instrução
da Embaixada dos EUA" e o ajudou a ganhar projeção nacional.
Ele nega acusações de que defende interesses de narcotraficantes e diz que a luta pela coca é a luta pela subsistência dos camponeses.
O uso da coca, tradicionalmente
mascada pelos indígenas da região andina, é legal na Bolívia. A
produção, porém, não pode passar de 11,2 mil hectares -extensão cultivada em Yungas, perto de
La Paz, que não é área de influência do ex-deputado.
Morales considera esse limite
baixo e diz que lutará pela ampliação do mercado internacional para produtos à base de coca -há
empresas no país que fabricam
derivados, como chá, chicletes,
pasta de dentes, xampus e outros
itens farmacêuticos. A importação desses produtos segue proibida na maior parte do mundo.
Considerado pelos EUA como
um dos grandes inimigos da guerra contra as drogas, Morales "retribui" dizendo que o dinheiro
americano só serve na Bolívia para alimentar "a repressão e a corrupção". "Não nos interessam as
relações com esse país", diz.
Leia a seguir trechos da entrevista que Morales deu à Folha,
por telefone, de Cochabamba.
Folha - O sr. ficou conhecido na
Bolívia como líder dos plantadores
de coca do Chapare e foi eleito deputado com essa bandeira. Agora,
como candidato a presidente, o sr.
continua defendendo a coca?
Evo Morales - Sigo defendendo a
coca. Se chegarmos ao governo,
não haverá mais erradicação dos
cultivos. Deve-se impulsionar a
produção para fins legais e a exportação das folhas de coca. Se
formos falar de Alca (Associação
de Livre Comércio das Américas),
só podemos entrar com a coca na
Alca. Não temos outro produto.
Folha - O sr. acredita que se possa
discutir com os EUA nesses termos?
Morales - Não somente com os
EUA, mas também com outros
países, como o Brasil. Há consumo legal de coca no Brasil e na Argentina [na verdade, os dois países vetam a importação e o consumo de folhas de coca". Portugal e
Itália compram coca legalmente.
Queremos ampliar esse mercado.
Folha - Mas o sr. não teme uma
reação internacional se o sr., como
presidente, defender a coca?
Morales - Sempre vamos defender a coca. Quem quiser manter
relações bilaterais com a Bolívia,
quando formos governo, terá de
nos respeitar. As relações serão de
respeito mútuo.
Folha - E o sr. acredita que os EUA
o respeitariam?
Morales - Não nos interessam as
relações com esse país. A Bolívia
só depende dos EUA para ter dinheiro para repressão e corrupção. E nós não queremos nem repressão nem corrupção.
Folha - O atual governo e os EUA
dizem que sua defesa da coca segue interesses do narcotráfico. O
sr. tem ligações com traficantes?
Morales - Os verdadeiros narcotraficantes são de colarinho branco e gravata e estão no palácio de
governo e no Parlamento. Acusam os produtores de coca de narcotraficantes, enquanto os únicos
beneficiados pelo narcotráfico na
Bolívia são justamente os da classe política.
Podemos falar dos problemas
dos narcovínculos do MIR, dos
narco-aviões do MNR, do genro e
do sobrinho de Hugo Banzer [cita
escândalos sobre supostos vínculos de governos passados com o
narcotráfico". Como os próprios
narcotraficantes podem acusar os
cocaleiros de serem narcotraficantes?
Folha - O atual governo teve como uma de suas principais bandeiras o Plano Dignidade, que erradicou praticamente as plantações
ilegais de coca no Chapare...
Morales - É mentira, eles enganam vocês. Posso dizer que não
há "coca zero" no Chapare, e nunca haverá. O problema de cultivos
alternativos é simplesmente um
negócio para os governos.
O Plano Dignidade, na Bolívia,
assim como o Plano Colômbia
[de repressão ao narcotráfico e à
guerrilha", é um plano de extermínio das comunidades indígenas. O povo indígena reivindica o
direito a terras, e quando falamos
em terras estamos falando em jazidas de petróleo e de gás, e isso
afeta os interesses transnacionais.
Isso já é um problema político e
econômico.
Folha - E o sr. incentivaria o aumento na produção de coca?
Morales - Claro. Para consumo
legal, para fins benéficos para a
humanidade, não para a droga.
Folha - A que o sr. credita sua alta
recente nas pesquisas?
Morales - Estou muito entusiasmado, porque as vítimas do modelo, os discriminados, os marginalizados, os odiados pelo sistema e pela classe política tradicional se unem incondicionalmente.
As últimas pesquisas nos colocam como terceira ou quarta força entre os 11 partidos que concorrem na eleição, mas, para nós,
isso não é verdade. Acho que estamos em primeiro, ou, na pior das
hipóteses, em segundo lugar. É
um fenômeno do nosso movimento socialista, antineoliberal,
que representa o verdadeiro povo
boliviano.
Um dos motivos do meu crescimento foi minha expulsão do Parlamento, por instrução da Embaixada dos EUA. Como todos somos vítimas do modelo e do imperialismo americanos, minha
expulsão causou maior reação e
maior solidariedade. Acho que a
ação da embaixada foi minha melhor propaganda de campanha.
Em segundo lugar, nossa campanha é muito humilde. O povo está
cansado da soberba e prepotência
da classe política tradicional.
Folha - A eleição final do presidente é feita pelo Parlamento. O sr.
se aliaria a outros partidos para
tentar a eleição no Congresso?
Morales - O MAS não se aliará a
nenhum partido. Nossa única base são as organizações sindicais.
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