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Lugo assume e promete combater pobreza
Ex-bispo se diz inspirado por Teologia da Libertação e afirma que cansou de viver em um Paraguai onde grassam medo e fome
Cerimônia teve presença de Lula e de presidentes mais à esquerda da América do Sul; manifestantes pediram a revisão do Tratado de Itaipu
Ivan Alvarado/Reuters
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Fernando Lugo saúda a multidão que acompanhou a cerimônia de sua posse como presidente do Paraguai, ontem em Assunção
ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A ASSUNÇÃO
O ex-bispo Fernando Lugo,
57, que trocou a batina pela política, assumiu ontem a Presidência do Paraguai, com mandato até 2013, ladeado por líderes de esquerda, centro e direita e propondo "um pacto social
que recupere a visão de um futuro compartilhado".
Num longo discurso, em que
falou várias vezes em "mudanças", "país socialmente mais
justo" e no "fim das desigualdades e da corrupção", Lugo disse
que assumiu o sacerdócio e virou bispo embalado pela Teologia da Libertação (movimento
de esquerda da Igreja Católica).
"Para combater o discurso
opressor de tantas ditaduras
que marcaram a história de
nossa pátria americana", explicou ele, que fez uma deferência
ao teólogo brasileiro Leonardo
Boff, um dos expoentes da Teologia da Libertação presentes à
posse -o outro era o nicaragüense Ernesto Cardenal.
Outro homenageado por Lugo foi o presidente socialista
chileno Salvador Allende, derrubado no golpe militar de
1973. "Nunca nos esqueçamos
de Allende!", disse.
Lugo, que rompe com 61 anos
de poder do Partido Colorado,
conservador, citou o geógrafo
brasileiro Josué de Castro
(1908-1973), ao dizer que desistiu de viver num país "onde uns
não dormem porque têm medo, e outros não dormem porque têm fome".
Prometeu, assim, investir
contra a pobreza estrutural:
"Pretendemos que a responsabilidade social não seja só um
discurso cosmético de pequenos empreendimentos". No Paraguai, 20% vivem abaixo da linha de pobreza.
Festa da esquerda
A posse foi na Praça da Independência, que reúne o Palácio
de Governo, o Congresso e a
Catedral Metropolitana e acomodou dois grupos: autoridades locais, chefes de governo e
suas comitivas sentaram-se em
cadeiras brancas, em frente ao
palanque. Fora, movimentos
sociais, com faixas e bandeiras,
principalmente vermelhas.
O presidente estrangeiro
mais festejado foi o venezuelano Hugo Chávez, com camisa
vermelha e gravata azul (cores
da bandeira paraguaia), aclamado também como "comandante"-apelido do ex-ditador
de Cuba Fidel Castro.
Bonecos de dois metros, embalados por uma batucada quase brasileira, representaram
Lugo, Chávez, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e o boliviano Evo Morales, apontados
como os "esquerdistas" da
América do Sul. Além deles,
compareceram à posse Rafael
Correa, do Equador, Cristina
Kirchner, da Argentina, Tabaré
Vázquez, do Uruguai, e Michelle Bachelet, do Chile.
Os dois presidentes considerados à direita na região, Álvaro
Uribe, da Colômbia, e Alan Garcia, do Peru, limitaram-se a enviar representantes, como o governo do distante Irã.
Os mais vaiados foram o presidente que sai, Nicanor Duarte
Frutos, sob os gritos de "fuera,
fuera", e o general da reserva e
ex-presidenciável Lino Oviedo,
acusado de "assassino, assassino". Senador, ele é líder da
Unace (União Nacional dos Cidadãos Éticos) e, pelo menos
no início do governo, fiel da balança pró-Lugo no Congresso.
Itaipu
Antes mesmo de Lugo surgir
para a multidão, com uma "aopoi" (camisa de tear) branca e
de sandálias, houve uma manifestação da Frente Social Popular, de esquerda, com enorme
faixa pedindo "a recuperação
de Itaipu [a usina hidrelétrica
em parceria com o Brasil] e de
Yacyretá [com a Argentina]".
Um dos líderes, Antonio Galeano, disse que a intenção é
"devolver os recursos naturais
estratégicos para o povo paraguaio, e Lugo vai fazer, porque é
um dos nossos, surgiu do nosso
movimento". Maria Loreta
Calmon, com pele curtida pelo
sol e calos nas mãos, completou: "Itaipu é nossa, é essa a
vontade do povo".
Uma imensa faixa com as cores do Paraguai foi estendida
entre as árvores, com as fotos
de 104 pessoas, inclusive mulheres e crianças, das quase 400
que morreram no incêndio do
supermercado Ycuá Bolaños,
em 2004. Os donos mandaram
fechar as portas, para que não
saíssem sem pagar.
Afora os grupos organizados,
havia casais de meia idade, famílias com crianças e até bebês.
Um diplomata brasileiro deixou cair um "chipa" (espécie de
pão de queijo com anis) na grama. Quando olhou, segundos
depois, alguém já tinha levado
para comer.
Guarânias e polcas paraguaias intercalavam-se nos microfones, enquanto as faixas
iam se multiplicando. Algumas
pró-reforma agrária, saúde e
educação. Muitas com o líder
revolucionário Che Guevara e
outras pregando o socialismo.
O dia foi calmo, sem incidentes. Os presidentes caminharam do Congresso ao palácio do
governo, depois para a Catedral
Metropolitana, em aproximados 700 metros. Passaram a
poucos metros de curiosos e
manifestantes, sem problema.
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