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BÁLCÃS
Ajuda financeira prometida para a reconstrução está atrasada, e sentimento contra os EUA se espalha pela região
Premiê sérvio ataca descaso americano
JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quatro anos depois da ofensiva
militar da Otan (aliança militar
ocidental) na Iugoslávia, a reconstrução da região caminha a passos
de tartaruga. A ajuda estrangeira,
coordenada pelos Estados Unidos, tem sido muito aquém da desejada, e a solução para os problemas de Kosovo, Província administrada pela comunidade internacional, ainda está distante.
O quadro foi descrito pelo primeiro-ministro da Sérvia, Zoran
Zivkovic, 42, que esteve no Brasil
para participar da Internacional
Socialista, realizada em outubro.
Para o premiê, que substituiu
Zoran Djindic, assassinado em
março, o país paga até hoje um alto preço pelo ataque militar que
sofreu em 1999.
Zivkovic afirma que, da mesma
forma que a repressão praticada
por iugoslavos contra a população de origem albanesa em Kosovo não se justificava, o ataque liderado pelos Estados Unidos
contra Belgrado ""foi lamentável".
Em entrevista à Folha, ele não
poupa críticas à ação dos norte-americanos e ao papel da ONU na
nova ordem mundial.
Folha - Depois de todos os conflitos que marcaram os Bálcãs nos
anos 90, como o sr. vê a situação de
Sérvia e Montenegro?
Zoran Zivkovic - Hoje existe uma
certeza: a partir de agora, os conflitos não serão mais resolvidos
com armas, o que já é muito importante. Só que o que aconteceu
conosco nos anos 90 deixou consequências gravíssimas para a
Sérvia. Além da perdas de vidas e
da destruição, houve uma enorme queda na atividade econômica. Hoje o PIB é 25% do que era há
12 anos. E há cerca de 700 mil refugiados das repúblicas da antiga
Iugoslávia, o que só agrava a situação.
Folha - Como o sr. analisa o auxílio internacional à Sérvia?
Zivkovic - Houve promessa de
uma ajuda maior, de US$ 4 bilhões. Até agora entraram cerca
de US$ 2,5 bilhões, o que não é nada, já que só os prejuízos causados pelos bombardeios da Otan
passam de US$ 20 bilhões.
Folha - O antiamericanismo aumentou na Sérvia?
Zivkovic - O sentimento negativo em relação aos EUA está espalhado em toda a nossa sociedade.
Os americanos bombardearam a
Sérvia sob o pretexto de derrubar
[o ditador Slobodan] Milosevic,
só que não foram os EUA que o
derrubaram, foram os próprios
sérvios. O bombardeio, então,
acabou não sendo especificamente contra Milosevic, mas contra o
cidadão comum, que nada fizera.
No Iraque, o pretexto também
era derrubar Saddam Hussein,
embora as situações fossem diferentes. A única e importante conclusão de uma comparação entre
os dois casos é que, em todas as
guerras, quem sofre é o cidadão.
Folha - Um mês depois da formação de Sérvia e Montenegro, Djindic foi morto. Como anda o processo contra os assassinos?
Zivkovic - Uma das razões para
Djindic ter sido assassinado foi a
intenção de seu governo de combater justamente o crime organizado. Hoje a situação é um pouco
distinta, uma parte dos dirigentes
do crime organizado está presa,
outra fugiu do país e, em relação
ao que era no ano passado, houve
um avanço. O mais importante é
que não há mais ligação entre a
cúpula do crime organizado e a
cúpula do país. Quanto ao assassinato de Djindic, está para começar o julgamento dos acusados.
Folha - Uma questão que deveria
ser resolvida até dezembro era Kosovo, que está sob tutela da ONU
desde 1999 e quer a independência. O prazo vai ser cumprido?
Zivkovic - Posso dizer que a
questão não vai ser resolvida até o
final deste ano. O processo não está andando bem. As tropas sérvias
foram retiradas de Kosovo, só que
a ONU e a comunidade internacional fizeram muito pouco.
Exemplos: em quatro anos, na
presença de tropas internacionais, foram mortos mais de 1.300
sérvios, nem 1% dos 200 mil refugiados sérvios conseguiu voltar,
continuam sendo destruídos edifícios de séculos de história. E
mais: ninguém foi julgado por esses crimes.
Folha - O sr. diria que a ONU está
cada vez mais fraca?
Zivkovic - O fim da bipolaridade
no mundo trouxe como uma das
consequências o enfraquecimento das Nações Unidas. É muito
claro que há uma única superpotência, os EUA, então é preciso rediscutir o papel da ONU.
Folha - E a política antiterrorismo
do governo George W. Bush?
Zivkovic - Para combater o terrorismo é necessária uma ação preventiva e uma curativa. Nas duas
últimas décadas, a ação preventiva, que inclui o combate à miséria
no Terceiro Mundo, foi deixada
de lado. Justamente por isso o tratamento curativo é tão drástico.
Os EUA têm um papel na guerra
contra o terrorismo? Sim. Mas
eles pensam muito mais na terapia curativa do que na preventiva,
quando deveria ser o contrário. E
o terrorismo não pode virar justificativa para ataques com fins políticos, como vem acontecendo.
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