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AMÉRICA LATINA
Especialistas dizem que realização frequente de consultas populares não é reflexo de maturidade política
Analistas criticam apelo a referendos
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Plebiscitos e referendos em
grande quantidade na América
Latina não são necessariamente
um indício de que a democracia
esteja funcionando. Pode estar
ocorrendo exatamente o oposto,
já que as instituições políticas não
dão conta dos conflitos sociais.
É o diagnóstico do historiador
britânico Kenneth Maxwell, brasilianista e diretor do programa
de estudos latino-americanos no
Conselho de Relações Internacionais, em Nova York.
Ele disse à Folha ser esse um
problema de países andinos como
a Bolívia e o Equador, onde populações de origem indígena se organizaram de forma agressiva nos
últimos anos e não encontraram
respaldo nas decisões das elites
políticas tradicionais.
"Se o conflito vai a referendo é
sinal de que algo está funcionando mal no sistema político", diz
Maxwell.
O ensaísta e historiador argentino Marcos Aguinis faz um diagnóstico na mesma linha. "Quando há divórcio entre governantes
e frustração popular, pensa-se logo em plebiscito", disse.
O caso do Equador é típico. Segundo o Observatório Eleitoral
Latino-Americano, centro de estudos baseado na Costa Rica, nos
últimos 25 anos ele foi o segundo
país que mais usou a consulta popular. O primeiro foi o Uruguai.
Em 1995, o presidente equatoriano, Sixto Durán-Ballén, foi derrotado no plebiscito que reestruturaria o Congresso e o Judiciário.
Em 1996, após a revolta popular
que deporia seu sucessor (Abdalá
Bucaram, "El Loco"), houve novo
referendo, em que o já presidente
Fabian Arlacón procurou nas urnas formas de combater o desemprego e estabilizar a economia.
Na Bolívia, cuja Constituição
não prevê consultas populares, o
último presidente, Sánchez de Lozada, deposto por revolta popular, prometeu, no começo de outubro, submeter às urnas o polêmico plano de exportação de gás.
Seu sucessor, Carlos Mesa, evoca
a mesma promessa.
No México, também inexistem
plebiscito ou referendo. Mesmo
assim, o presidente Vicente Fox
diz que poderá usar o recurso.
O Brasil ocupa posição modesta
nesse quadro. Foram duas vezes
na história republicana: a de 1963,
que reinstituiu o presidencialismo, e a de 1993, que optou pela república presidencialista.
Celso Lafer, chanceler nos governos Collor e FHC, cita um detalhe importante: o Congresso é o
único habilitado pela Constituição de 1988 a convocar referendos
ou plebiscitos. Não é atribuição
do presidente, que assim não tem
um instrumento para atropelar o
Legislativo e obter a legitimidade
diretamente com os eleitores.
O país em que o referendo se
tornou instrumento caricatural é
a Venezuela. Chávez o utilizou
quando estava em alta. Agora manobra para, em baixa, não ser destituído em consulta popular.
Há dois anos, "Chávez tinha
uma liderança regional forte", diz
o cubano exilado Carlos Alberto
Montaner, co-autor do "Manual
do Perfeito Idiota Latino-Americano" (1996), uma profissão de fé
no liberalismo. Chávez chegou a
propor que ninguém aderisse à
Alca (Área de Livre Comércio das
Américas) sem um prévio plebiscito. Mas hoje prevalece o comportamento moderado e diplomático do presidente Lula.
Atílio Borón, secretário-executivo do Clacso (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais),
diz que plebiscitos e referendos
são pouco usados no continente.
Vota-se menos que na Europa
(adoção da moeda comum) ou
que nos EUA, quando a agenda
política tem temas relevantes.
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