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AMÉRICA LATINA
Medida faz parte de nova política para frear incipiente economia de mercado surgida nos últimos anos
Fidel manda confiscar carros de luxo dos chefes de estatais
MARC FRANK
DA REUTERS, EM HAVANA
Os gerentes das estatais cubanas
receberam ordens de entregar
seus carros caros, de marcas como Toyota ou Mitsubishi, e andar
nos proletários Lada, de fabricação russa, ou outros veículos menores. Eles tampouco terão direito a locomover-se em carros com
ar-condicionado, acessório que
os diferenciam dos cubanos comuns quando trafegam sob o calor escaldante do verão cubano.
As medidas fazem parte da
campanha lançada pelo ditador
Fidel Castro para reverter as reformas de mercado que deram lugar a desigualdades sociais na sociedade cubana comunista, oficialmente sem classes sociais. A
repressão mais recente tem como
alvos os executivos das empresas
estatais e suas mordomias.
Uma década atrás, Cuba semeou as bases do capitalismo
quando, a contragosto, legalizou
o uso do dólar americano e autorizou alguns empreendimentos
privados, na luta para sobreviver
à decadência de sua economia
centralmente planejada, na esteira da fragmentação da URSS.
As empresas estatais, especialmente as que trabalham com o turismo, principal fonte de divisas
na ilha caribenha, adotaram práticas empresariais modernas. Estas foram acompanhadas das
mordomias e dos símbolos de status que caracterizam a sociedade
capitalista. São justamente esses
elementos que Fidel, aparentemente, quer eliminar
da economia.
Fiscais do governo começaram
neste mês a dar
batidas para garantir que os executivos estavam
obedecendo à circular do Ministério dos Transportes que especifica
quais carros podem utilizar. De
acordo com um
documento ao
qual teve acesso a
agência de notícias Reuters, qualquer veículo
maior do que um
Lada será entregue aos ministérios e ao serviço
de protocolo do
Estado.
"As autoridades
cubanas sentem
que já superaram o pior da crise e
que é chegada a hora de o Estado
assumir um papel ainda mais
central na economia", disse Phil
Peters, especialista em Cuba do
Instituto Lexington, com sede em
Washington.
Desigualdade social
Para Peters, as autoridades de
Cuba "estão priorizando a igualdade, mais do que o crescimento". Para ele, os setores socialistas
ortodoxos que rejeitavam as reformas empreendidas após a perda da ajuda soviética voltaram a
comandar a política cubana.
O aumento da circulação da
moeda americana trouxe em seu
bojo uma divisão social entre os
cubanos que têm acesso a dólares
e os que não têm e continuam
atrelados à economia do peso.
Num país em que o salário médio mensal é de US$ 15 e um taxista pode ganhar mais com turistas
em um dia de trabalho do que um
cirurgião cerebral recebe em um
mês, os pequenos capitalistas conhecidos como "cuentapropistas" (pessoas que trabalham por
conta própria) se multiplicaram
rapidamente.
Para cobrir a dramática escassez
de serviços na ilha, nos últimos
dez anos o governo autorizou
muitos cubanos a possuir pequenos empreendimentos, em que
trabalham por conta própria em
funções que vão de encanador até
motorista de táxi.
Nos últimos 12 meses, fiscais cubanos vêm perseguindo empreendedores privados não autorizados e cobrando impostos pesados de negócios licenciados, tais
como o aluguel de quartos a turistas e pequenos restaurantes familiares conhecidos como "paladares". A burocracia obrigou muitos desses pequenos empreendedores a fechar seus negócios.
Diplomatas ocidentais dizem
que o endurecimento em Cuba
não é apenas econômico, mas
também político. Eles apontam a
repressão lançada no ano passado
contra dissidentes e também a
crescente regulamentação de empresas estrangeiras.
O número de joint ventures em
Cuba caiu 70% em 2003. Nos últimos anos, dezenas de milhares de
negócios autônomos foram fechados em razão da pressão governamental e, segundo um adido
comercial europeu, muitas pequenas empresas comerciais estrangeiras estão fazendo as malas
para deixar o país.
Fidel vê ameaça
No setor estatal, responsável por
90% da economia, está ocorrendo
uma recentralização, com o governo retomando o poder decisório que tinha sido transferido dos
ministérios para as estatais.
Analistas locais dizem que Fidel
Castro vê os administradores das
estatais como uma força potencialmente corruptora que ajudou
a derrubar o comunismo no Leste
Europeu. Ele gostaria de eliminar
de Cuba as empresas privadas e
o dólar, a moeda
de seu arquiinimigo, afirmam
esses analistas.
Em discursos
recentes, Fidel criticou as importações caras feitas
por muitas estatais e justificou o
controle central
sobre as reservas
em dólar de que
Cuba precisa seriamente para pagar por suas importações essenciais de petróleo e
alimentos.
"A descentralização da moeda
forte foi mais longe do que o planejado e já começou
a cobrir despesas
desnecessárias",
disse o ministro da Economia, José Luís Rodriguez, em dezembro.
As praias cubanas atraem milhares de europeus e canadenses
que levam divisas ao país. A fonte
mais importante de dólares é formada pelo dinheiro enviado a famílias cubanas por seus parentes
residentes nos Estados Unidos.
De acordo com uma circular enviada pelo ministro da Economia,
as estatais que ramificaram suas
atividades em uma série de serviços pagos em dólar, desde restaurantes até lojas, na tentativa de ganhar autonomia financeira, receberam ordens para concentrar-se
em suas atividades principais.
Um documento obtido pela Reuters traz uma lista de 87 serviços
que não mais poderão ser cobrados em dólar.
Em 1993, Havana autorizou o
dólar a circular livremente pelo
país, ao lado do peso, e em pouco
tempo a moeda americana se tornou a favorita local, já que o peso
compra poucas das coisas que os
cubanos querem.
Em agosto, o Banco Central introduziu controles sobre o câmbio e proibiu as empresas estatais
de usar dólares na maioria das
operações, exigindo o uso do peso
conversível, uma moeda local
equivalente ao dólar, mas que não
tem valor algum fora de Cuba.
"É um golpe duplo. Primeiro os
dólares foram tirados, agora nos
tiram o direito de tomar decisões
independentes", disse um economista cubano. "Estamos voltando
para os anos 80, quando tudo era
centralizado."
Tradução de Clara Allain
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