São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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AMÉRICA LATINA

Medida faz parte de nova política para frear incipiente economia de mercado surgida nos últimos anos

Fidel manda confiscar carros de luxo dos chefes de estatais

MARC FRANK
DA REUTERS, EM HAVANA

Os gerentes das estatais cubanas receberam ordens de entregar seus carros caros, de marcas como Toyota ou Mitsubishi, e andar nos proletários Lada, de fabricação russa, ou outros veículos menores. Eles tampouco terão direito a locomover-se em carros com ar-condicionado, acessório que os diferenciam dos cubanos comuns quando trafegam sob o calor escaldante do verão cubano.
As medidas fazem parte da campanha lançada pelo ditador Fidel Castro para reverter as reformas de mercado que deram lugar a desigualdades sociais na sociedade cubana comunista, oficialmente sem classes sociais. A repressão mais recente tem como alvos os executivos das empresas estatais e suas mordomias.
Uma década atrás, Cuba semeou as bases do capitalismo quando, a contragosto, legalizou o uso do dólar americano e autorizou alguns empreendimentos privados, na luta para sobreviver à decadência de sua economia centralmente planejada, na esteira da fragmentação da URSS.
As empresas estatais, especialmente as que trabalham com o turismo, principal fonte de divisas na ilha caribenha, adotaram práticas empresariais modernas. Estas foram acompanhadas das mordomias e dos símbolos de status que caracterizam a sociedade capitalista. São justamente esses elementos que Fidel, aparentemente, quer eliminar da economia.
Fiscais do governo começaram neste mês a dar batidas para garantir que os executivos estavam obedecendo à circular do Ministério dos Transportes que especifica quais carros podem utilizar. De acordo com um documento ao qual teve acesso a agência de notícias Reuters, qualquer veículo maior do que um Lada será entregue aos ministérios e ao serviço de protocolo do Estado.
"As autoridades cubanas sentem que já superaram o pior da crise e que é chegada a hora de o Estado assumir um papel ainda mais central na economia", disse Phil Peters, especialista em Cuba do Instituto Lexington, com sede em Washington.

Desigualdade social
Para Peters, as autoridades de Cuba "estão priorizando a igualdade, mais do que o crescimento". Para ele, os setores socialistas ortodoxos que rejeitavam as reformas empreendidas após a perda da ajuda soviética voltaram a comandar a política cubana.
O aumento da circulação da moeda americana trouxe em seu bojo uma divisão social entre os cubanos que têm acesso a dólares e os que não têm e continuam atrelados à economia do peso.
Num país em que o salário médio mensal é de US$ 15 e um taxista pode ganhar mais com turistas em um dia de trabalho do que um cirurgião cerebral recebe em um mês, os pequenos capitalistas conhecidos como "cuentapropistas" (pessoas que trabalham por conta própria) se multiplicaram rapidamente.
Para cobrir a dramática escassez de serviços na ilha, nos últimos dez anos o governo autorizou muitos cubanos a possuir pequenos empreendimentos, em que trabalham por conta própria em funções que vão de encanador até motorista de táxi.
Nos últimos 12 meses, fiscais cubanos vêm perseguindo empreendedores privados não autorizados e cobrando impostos pesados de negócios licenciados, tais como o aluguel de quartos a turistas e pequenos restaurantes familiares conhecidos como "paladares". A burocracia obrigou muitos desses pequenos empreendedores a fechar seus negócios.
Diplomatas ocidentais dizem que o endurecimento em Cuba não é apenas econômico, mas também político. Eles apontam a repressão lançada no ano passado contra dissidentes e também a crescente regulamentação de empresas estrangeiras.
O número de joint ventures em Cuba caiu 70% em 2003. Nos últimos anos, dezenas de milhares de negócios autônomos foram fechados em razão da pressão governamental e, segundo um adido comercial europeu, muitas pequenas empresas comerciais estrangeiras estão fazendo as malas para deixar o país.

Fidel vê ameaça
No setor estatal, responsável por 90% da economia, está ocorrendo uma recentralização, com o governo retomando o poder decisório que tinha sido transferido dos ministérios para as estatais.
Analistas locais dizem que Fidel Castro vê os administradores das estatais como uma força potencialmente corruptora que ajudou a derrubar o comunismo no Leste Europeu. Ele gostaria de eliminar de Cuba as empresas privadas e o dólar, a moeda de seu arquiinimigo, afirmam esses analistas.
Em discursos recentes, Fidel criticou as importações caras feitas por muitas estatais e justificou o controle central sobre as reservas em dólar de que Cuba precisa seriamente para pagar por suas importações essenciais de petróleo e alimentos.
"A descentralização da moeda forte foi mais longe do que o planejado e já começou a cobrir despesas desnecessárias", disse o ministro da Economia, José Luís Rodriguez, em dezembro.
As praias cubanas atraem milhares de europeus e canadenses que levam divisas ao país. A fonte mais importante de dólares é formada pelo dinheiro enviado a famílias cubanas por seus parentes residentes nos Estados Unidos.
De acordo com uma circular enviada pelo ministro da Economia, as estatais que ramificaram suas atividades em uma série de serviços pagos em dólar, desde restaurantes até lojas, na tentativa de ganhar autonomia financeira, receberam ordens para concentrar-se em suas atividades principais. Um documento obtido pela Reuters traz uma lista de 87 serviços que não mais poderão ser cobrados em dólar.
Em 1993, Havana autorizou o dólar a circular livremente pelo país, ao lado do peso, e em pouco tempo a moeda americana se tornou a favorita local, já que o peso compra poucas das coisas que os cubanos querem.
Em agosto, o Banco Central introduziu controles sobre o câmbio e proibiu as empresas estatais de usar dólares na maioria das operações, exigindo o uso do peso conversível, uma moeda local equivalente ao dólar, mas que não tem valor algum fora de Cuba.
"É um golpe duplo. Primeiro os dólares foram tirados, agora nos tiram o direito de tomar decisões independentes", disse um economista cubano. "Estamos voltando para os anos 80, quando tudo era centralizado."


Tradução de Clara Allain


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