|
Texto Anterior | Índice
COMÉRCIO
Sociólogos e historiadores fazem simpósio para tentar entender o fenômeno da ultrapoderosa cadeia varejista
Wal-Mart intriga intelectuais dos EUA
STEVEN GREENHOUSE
DO "NEW YORK TIMES"
Nós já sabíamos que o Wal-Mart é a maior cadeia de varejo
dos EUA. (Se fosse um país, seria
o oitavo maior parceiro comercial
da China.) Também sabemos de
seu apego maníaco aos preços
baixos. (Alguns economistas dizem que a rede, sozinha, reduziu
em 1% a inflação nos últimos
anos, economizando bilhões de
dólares para os consumidores.)
Sabemos que suas práticas trabalhistas sofreram ataques. (O grupo cobra tanto de seus trabalhadores por planos de saúde que um
terço deles os dispensa.)
Mas os mais de 250 sociólogos,
antropólogos, historiadores e outros estudiosos que se reuniram
na Universidade da Califórnia em
Santa Barbara, na segunda-feira
passada, vieram à procura de
mais que estatísticas sobre o grupo. Como arqueólogos que vasculham objetos para compreender
uma sociedade antiga, os acadêmicos presentes estavam examinando o Wal-Mart em busca de
idéias sobre a natureza básica da
cultura capitalista americana. Como disse Susan Strasser, professora de história da Universidade
do Delaware, "o Wal-Mart veio a
representar algo ainda maior do
que a empresa".
De fato, com seu faturamento
anual de US$ 256 bilhões e 20 milhões de consumidores visitando
suas lojas a cada dia, o Wal-Mart
tem alcance e influência superiores aos de qualquer grupo varejista da história.
"Em cada época histórica, uma
empresa prototípica parece incorporar um conjunto inédito e inovador de estruturas econômicas e
relações sociais", disse Nelson
Lichtenstein, professor de história
da Universidade da Califórnia em
Santa Barbara e organizador da
conferência.
"Essas empresas-modelo são
imitadas porque criaram, ou
aperfeiçoaram para sua era, a
mais eficiente e lucrativa relação
entre a tecnologia de produção, a
organização do trabalho e a nova
forma do mercado."
Influência em seu tempo
No século 19, disse ele, a empresa que ditava as normas era a
Pennsylvania Railroad (ferrovias); na metade do século 20, o
posto era da General Motors; no
final do século 20, foi a vez da Microsoft. A empresa prototípica de
nossos dias, declarou ele na conferência de abertura, é o Wal-Mart, que, segundo Lichtenstein,
altera o zoneamento de cidades
americanas, estabelece padrões
de salário e até mesmo conduz negociações diplomáticas com outros países.
"Em resumo, a direção da empresa legisla elementos essenciais
da cultura social e política dos
EUA", afirmou Lichtenstein.
O Wal-Mart criou um modelo
muito diferente do proposto pela
General Motors, acrescentou,
apontando que a GM ajudou a
construir a classe média mais
próspera do mundo ao pagar salários acima da média e oferecer
planos de saúde e pensões generosos. Lichtenstein diz que o padrão salarial criado pela GM levou
outras empresas a adotar níveis
de remuneração mais elevados,
enquanto os salários e benefícios
relativamente baixos oferecidos
pelo Wal-Mart -seus trabalhadores ganham, em média, menos
de US$ 18 mil ao ano- têm o efeito oposto.
A escala salarial e as políticas
trabalhistas duras adotadas pela
empresa, diz Simon Head, pesquisador da Century Foundation,
significam que "o Wal-Mart é certamente um modelo para o capitalismo do século 21, mas um capitalismo que se assemelha cada
vez mais ao capitalismo de cem
anos atrás". Ele acrescenta que a
empresa "combina um uso extremamente dinâmico de tecnologia
com uma cultura dirigente muito
autoritária e impiedosa".
O Wal-Mart não quis enviar um
representante à conferência. "Fomos convidados, mas não aceitamos", diz a porta-voz Sarah Clark.
"A agenda parecia bastante distorcida contra o Wal-Mart."
Revolução no consumo
Se a empresa está ajudando a revolucionar as relações trabalhistas, está também revolucionando
os padrões de consumo. Strasser
disse que ela era o principal exemplo de uma virada na direção do
comércio de massa, que, em sua
interpretação, fez dos clientes
consumidores.
Muitos americanos, afirma ela,
não lidam mais com artesãos e comerciantes locais capazes de
aconselhá-los sobre os produtos.
A publicidade se tornou a única
fonte de informação para os compradores.
O conhecimento profundo do
Wal-Mart sobre o que os consumidores querem, acoplado ao seu
tamanho imenso, deu à empresa
um grande poder sobre os fornecedores, o que efetivamente gerou
uma mudança na relação tradicional entre fabricantes e varejistas. O Wal-Mart em geral sabe
mais do que os fabricantes sobre
aquilo que os consumidores desejam em uma certa semana, e o que
desejarão no ano que vem.
Com alguns fornecedores se
queixando de que foram pressionados e intimidados pelo grupo, o
Wal-Mart fez com que várias fábricas, do sul do Texas a Xangai,
promovessem ganhos de eficiência continuamente, reduzindo
custos e preços.
"Isso mudou o balanço do poder na indústria mundial", disse
Gary Hamilton, especialista em
China e professor de sociologia na
Universidade de Washington.
E não só na indústria.
"O que querem dizer os bens de
baixo custo à luz das questões
prementes quanto ao ambiente,
aos direitos humanos e à força de
trabalho mundial?", perguntou
Strasser. "E como ir além desse
interesse obsessivo pelo preço?"
Os preços baixos têm um custo,
insistiram ela e outros palestrantes, argumentando que o Wal-Mart encorajava o excesso de consumo e de desenvolvimento, que
causam desgaste em termos de recursos naturais e de ambiente.
"Tudo se baseia em colocar o
consumidor em primeiro lugar",
disse Edna Bonacich, professora
de sociologia na Universidade da
Califórnia em Riverside. "Será
que essa é a maneira pela qual desejamos viver?"
Texto Anterior: Frase Índice
|