São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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COMÉRCIO

Sociólogos e historiadores fazem simpósio para tentar entender o fenômeno da ultrapoderosa cadeia varejista

Wal-Mart intriga intelectuais dos EUA

STEVEN GREENHOUSE
DO "NEW YORK TIMES"

Nós já sabíamos que o Wal-Mart é a maior cadeia de varejo dos EUA. (Se fosse um país, seria o oitavo maior parceiro comercial da China.) Também sabemos de seu apego maníaco aos preços baixos. (Alguns economistas dizem que a rede, sozinha, reduziu em 1% a inflação nos últimos anos, economizando bilhões de dólares para os consumidores.) Sabemos que suas práticas trabalhistas sofreram ataques. (O grupo cobra tanto de seus trabalhadores por planos de saúde que um terço deles os dispensa.)
Mas os mais de 250 sociólogos, antropólogos, historiadores e outros estudiosos que se reuniram na Universidade da Califórnia em Santa Barbara, na segunda-feira passada, vieram à procura de mais que estatísticas sobre o grupo. Como arqueólogos que vasculham objetos para compreender uma sociedade antiga, os acadêmicos presentes estavam examinando o Wal-Mart em busca de idéias sobre a natureza básica da cultura capitalista americana. Como disse Susan Strasser, professora de história da Universidade do Delaware, "o Wal-Mart veio a representar algo ainda maior do que a empresa".
De fato, com seu faturamento anual de US$ 256 bilhões e 20 milhões de consumidores visitando suas lojas a cada dia, o Wal-Mart tem alcance e influência superiores aos de qualquer grupo varejista da história.
"Em cada época histórica, uma empresa prototípica parece incorporar um conjunto inédito e inovador de estruturas econômicas e relações sociais", disse Nelson Lichtenstein, professor de história da Universidade da Califórnia em Santa Barbara e organizador da conferência.
"Essas empresas-modelo são imitadas porque criaram, ou aperfeiçoaram para sua era, a mais eficiente e lucrativa relação entre a tecnologia de produção, a organização do trabalho e a nova forma do mercado."

Influência em seu tempo
No século 19, disse ele, a empresa que ditava as normas era a Pennsylvania Railroad (ferrovias); na metade do século 20, o posto era da General Motors; no final do século 20, foi a vez da Microsoft. A empresa prototípica de nossos dias, declarou ele na conferência de abertura, é o Wal-Mart, que, segundo Lichtenstein, altera o zoneamento de cidades americanas, estabelece padrões de salário e até mesmo conduz negociações diplomáticas com outros países.
"Em resumo, a direção da empresa legisla elementos essenciais da cultura social e política dos EUA", afirmou Lichtenstein.
O Wal-Mart criou um modelo muito diferente do proposto pela General Motors, acrescentou, apontando que a GM ajudou a construir a classe média mais próspera do mundo ao pagar salários acima da média e oferecer planos de saúde e pensões generosos. Lichtenstein diz que o padrão salarial criado pela GM levou outras empresas a adotar níveis de remuneração mais elevados, enquanto os salários e benefícios relativamente baixos oferecidos pelo Wal-Mart -seus trabalhadores ganham, em média, menos de US$ 18 mil ao ano- têm o efeito oposto.
A escala salarial e as políticas trabalhistas duras adotadas pela empresa, diz Simon Head, pesquisador da Century Foundation, significam que "o Wal-Mart é certamente um modelo para o capitalismo do século 21, mas um capitalismo que se assemelha cada vez mais ao capitalismo de cem anos atrás". Ele acrescenta que a empresa "combina um uso extremamente dinâmico de tecnologia com uma cultura dirigente muito autoritária e impiedosa".
O Wal-Mart não quis enviar um representante à conferência. "Fomos convidados, mas não aceitamos", diz a porta-voz Sarah Clark. "A agenda parecia bastante distorcida contra o Wal-Mart."

Revolução no consumo
Se a empresa está ajudando a revolucionar as relações trabalhistas, está também revolucionando os padrões de consumo. Strasser disse que ela era o principal exemplo de uma virada na direção do comércio de massa, que, em sua interpretação, fez dos clientes consumidores.
Muitos americanos, afirma ela, não lidam mais com artesãos e comerciantes locais capazes de aconselhá-los sobre os produtos. A publicidade se tornou a única fonte de informação para os compradores.
O conhecimento profundo do Wal-Mart sobre o que os consumidores querem, acoplado ao seu tamanho imenso, deu à empresa um grande poder sobre os fornecedores, o que efetivamente gerou uma mudança na relação tradicional entre fabricantes e varejistas. O Wal-Mart em geral sabe mais do que os fabricantes sobre aquilo que os consumidores desejam em uma certa semana, e o que desejarão no ano que vem.
Com alguns fornecedores se queixando de que foram pressionados e intimidados pelo grupo, o Wal-Mart fez com que várias fábricas, do sul do Texas a Xangai, promovessem ganhos de eficiência continuamente, reduzindo custos e preços.
"Isso mudou o balanço do poder na indústria mundial", disse Gary Hamilton, especialista em China e professor de sociologia na Universidade de Washington.
E não só na indústria.
"O que querem dizer os bens de baixo custo à luz das questões prementes quanto ao ambiente, aos direitos humanos e à força de trabalho mundial?", perguntou Strasser. "E como ir além desse interesse obsessivo pelo preço?"
Os preços baixos têm um custo, insistiram ela e outros palestrantes, argumentando que o Wal-Mart encorajava o excesso de consumo e de desenvolvimento, que causam desgaste em termos de recursos naturais e de ambiente.
"Tudo se baseia em colocar o consumidor em primeiro lugar", disse Edna Bonacich, professora de sociologia na Universidade da Califórnia em Riverside. "Será que essa é a maneira pela qual desejamos viver?"


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