|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Todos querem protestar e ninguém negocia
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Como um dos principais pesquisadores da Argentina, o sociólogo Manuel Mora y Araujo
vive de entender a sociedade
argentina. Não obstante, sente-se compelido a confessar, em
artigo para o site Infolatam:
"Não é fácil entender esta sociedade que sabe protestar melhor que qualquer outra mas
não sabe encontrar uma fórmula para gerar consensos sociais mínimos e estáveis e traduzi-los em governabilidade".
Bingo. Eis, no fundo, a raiz da
crise: todo mundo quer protestar, inclusive o governo, que
acusa a oposição de "golpismo",
mas ninguém quer ceder um
milímetro para gerar os "consensos mínimos". Ao contrário,
o que ocorre é uma escalada de
protestos, manifestações e contramanifestações que tende a
chegar a um pico hoje, quando
o governo promove sua própria
manifestação, liderada pelo ex-presidente Néstor Kirchner,
enquanto os líderes ruralistas
atacam com fechamento do comércio, mobilização nas cidades e apagões, entre outras formas de protesto.
Resumo político da situação,
na palavra de Roberto Lavagna,
responsável por tirar o país da
grande crise anterior, a de
2001, como ministro da Economia: "O governo não quer dialogar, e a oposição revela um horrível oportunismo".
Lavagna está se referindo ao
fato de que a crise, embora iniciada pelo protesto dos ruralistas contra o aumento da tributação sobre exportações de soja
e oleaginosas, transformou-se
claramente em crise política.
A oposição estava paralisada,
desarticulada pelo fracasso do
peronismo menemista (do ex-presidente Carlos Menem) e do
radicalismo, alternativa até então ao peronismo. A oposição
não-peronista, aliás, continua
semiparalisada. Não emergiram na crise, a não ser perifericamente, nem o prefeito de
Buenos Aires, Maurício Macri,
estrela em ascensão da direita,
nem Elisa Carrió, de centro-esquerda, segunda colocada na
eleição presidencial de 2007.
A novidade é velha, velhíssima. Chama-se Eduardo Duhalde, um dos presidentes da fileira dos que entraram e saíram
rapidamente da Casa Rosada,
na esteira da crise de 2001.
Mentor de Kirchner, tornou-se
seu maior inimigo e foi por ele
virtualmente esmagado na disputa interna peronista.
O movimento do campo lhe
serviu de balão de oxigênio.
Tanto que Luis D'Elía o acusa
de ser "chefe da conspiração"
para um "golpe de Estado econômico". D'Elía é um líder dos
piqueteiros (movimento social
com parentesco com os sem-terra e sem-teto do Brasil), mas
que o governo Kirchner cooptou e hoje lidera a tropa de choque que dissolve à força as manifestações oposicionistas.
Quanto ao fato original da
crise, as retenções sobre exportações, tem-se o mesmo diálogo de surdos. Para o governo, o
que os ruralistas não querem é
dividir a renda auferida com as
exportações de commodities,
que se tornaram extremamente rentáveis com a disparada de
preços. Por isso, impôs um aumento nas retenções já cobradas antes do campo.
O novo nível de retenções é,
no entanto, "claramente confiscatório", depõe Lavagna,
com a relativa isenção de quem
acaba de publicar carta aberta
ao governo e aos ruralistas, pedindo o diálogo e fazendo propostas que ele chama de técnicas para resolver o foco inicial
do que virou uma crise política.
A proposta passa por fixar
um teto de 50% para as retenções (contra os 95% que, segundo Lavagna, configuram o
"confisco") e por diferenciar
pequenas e médias propriedades das grandes. Para não falar
de programas de médio e longo
prazo, que não conseguem a
menor vaga na agenda em função da crise conjuntural.
Lavagna admite, porém, que
a crise "excede os limites do
campo" e só tomou o tamanho
que tem hoje devido a uma
"acumulação de erros econômicos, institucionais e de relações internacionais. Cada um
deles, por si só, não causaria a
crise. Mas dois anos de erros
acumulados fizeram com que o
problema das retenções fosse a
gota que encheu o copo".
Daí, no entanto, a agitar o
fantasma de 2001 e sua sucessão de presidentes entrando e
saindo da Casa Rosada vai
imensa distância. Primeiro,
porque o governo pode ter perdido apoio, mas não está desmoralizado como toda a classe
política ficou há sete anos. Segundo porque a situação econômica se deteriora, mas está
longe, muito longe, de se aproximar do colapso de 2001.
Resta, portanto, concordar
com o sociólogo Mora y Araujo:
"Não é fácil entender um governo ganhador faz poucos meses de uma eleição presidencial, que dispunha de forte respaldo na opinião pública, que
tinha a sua disposição uma economia de produção, um mercado mundial demandando com
avidez seus produtos, recursos
suficientes para exercer o poder com uma comodidade que a
muitos já parecia excessiva,
mas era inquestionável".
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Frase Índice
|