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REVOLTA NOS ANDES
Mesa discursa em El Alto, onde 26 manifestantes morreram há uma semana; índios devem compor governo
Novo presidente vê risco de "naufrágio total"
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ
Um dia após a sua posse, o novo
presidente da Bolívia, Carlos Mesa, 50, afirmou ontem que, dada a
situação crítica na qual assumiu o
país, o único risco que seu governo corre é o do "naufrágio total".
"O único risco que podemos
correr é o de naufrágio total. Isso
está absolutamente claro. Se a Bolívia perder essa oportunidade, se
o presidente da Bolívia, sua equipe de trabalho, o Parlamento e a
sociedade não entenderem que
estamos escolhendo nosso destino, poderemos entrar rapidamente numa grave crise", disse
Mesa, em sua primeira entrevista
coletiva à imprensa estrangeira.
Mesa assumiu o governo anteontem à noite, depois que o
Congresso aceitou a renúncia do
impopular ex-presidente Gonzalo
Sánchez de Lozada, alvo de intensos protestos nos últimas semanas, que deixaram ao menos 74
mortos e praticamente paralisaram o país.
"O desafio fundamental é saber
se o peso dos mortos que nós temos nas costas e se o peso da profunda crise são fortes o suficiente
para que mudemos nossos critérios. Não posso apostar para ganhar tudo, mas é a única aposta
que tenho", disse.
Mesa, que era vice, disse que o
referendo popular que pretende
realizar sobre a venda de gás ao
exterior vai tratar da aprovação
do projeto e, caso seja aceito, por
onde deve ser a exportação. O plano inicial era que fosse via Chile,
alvo inicial dos protestos, porque
os chilenos tiraram da Bolívia a
saída para o mar durante guerra
em 1879.
Mesa começou seu primeiro dia
de trabalho em encontros com
políticos e assessores. O assunto
principal é a formação do novo
gabinete, que deve ser anunciado
apenas hoje à tarde. Segundo a
agência de notícias France Presse,
Mesa deve incluir indígenas no
novo gabinete.
Na entrevista coletiva, ele voltou
a afirmar que formará um gabinete sem a participação de partidos
políticos -ele não tem filiação
partidária.
Constituinte
Dono de uma rede de TV, onde
atuava como comentarista, e historiador, Mesa também prometeu criar condições para a convocação de uma nova Assembléia
Constituinte. "A convocatória será feita num curto prazo", afirmou no discurso de posse.
Estavam presentes à cerimônia
Marco Aurélio Garcia, assessor
internacional do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e o
enviado do governo argentino,
Eduardo Sguiglia, que foram muito aplaudidos pelos congressistas.
O presidente brasileiro já convidou Mesa para visitar o Brasil. Lula conversou por telefone com o
colega ontem à tarde, e ouviu
agradecimentos pelo apoio do
país durante a crise que levou
Sánchez de Lozada a renunciar.
O relato foi feito pelo chefe de
gabinete do presidente, Gilberto
Carvalho. Segundo ele, Mesa afirmou a Lula que submeterá a polêmica proposta de exportação de
gás para os EUA a um processo
""de concertação nacional".
Os primeiros passos foram recebidos de forma diferente pelos
líderes dos protestos, que começaram exigindo o fim dos planos
de exportar gás natural, mas, depois da violenta repressão na semana passada, se concentraram
em pedir a renúncia de Sánchez
de Lozada.
O líder aymará Felipe Quispe,também deputado, disse que
os camponeses "não levantarão os
bloqueios que existem há mais de
um mês no altiplano andino".
"Não vamos deixar de marchar,não vamos abandonar a greve de fome até que Mesa atenda
aos mais de 70 pontos que exigimos", disse. Segundo ele, o novo
presidente "terá os mesmos problemas que Sánchez de Lozada,
porque não é um bom político e
não poderá solucionar a crise boliviana".
Já a Central dos Trabalhadores
da Bolívia (CTB), com importante
presença em La Paz, anunciou um
"recuo estratégico" e suspendeu a
greve geral.
O principal opositor e também
indígena, Evo Morales, presidente
do MAS (Movimento ao Socialismo), fez as declarações mais moderadas. "Darei tempo a Mesa para se organizar e atender à demanda das organizações sociais."
Normalização
Na capital, La Paz, os carros e o
transporte público voltaram a circular ontem pela primeira vez nos
últimos dias. O fornecimento de
gasolina e gás de cozinha deve ser
normalizado até hoje.
Há bastante expectativa para a
reabertura do aeroporto, fechado
desde o último domingo. A Varig
anunciou que retomaria ontem
seus vôos para La Paz. Desde cedo, centenas de turistas estrangeiros formavam filas diante dos escritórios de companhias aéreas. A
avenida que liga La Paz ao aeroporto, em El Alto (a 12 km da capital), foi reaberta após seis dias.
O momento mais emocionante
de ontem foi a visita do presidente
Mesa a El Alto, epicentro dos conflitos -26 pessoas morreram ali
no domingo passado.
Em discurso de 20 minutos
diante de milhares de pessoas, ele
afirmou: "Meu compromisso não
é o esquecimento, nem a vingança, mas a justiça".
Anteontem à noite, milhares de
pessoas comemoraram a renúncia no centro de La Paz. Várias
cargas de dinamite, trazidas pelos
mineiros, foram explodidas entre
os prédios históricos da cidade.
No fim de ontem, a maioria dos
mineiros e camponeses já haviam
deixado a cidade em ônibus ou
em cima de caminhões.
Colaborou a Sucursal de Brasília
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