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SAIBA MAIS
Crise se esboça desde a eleição indireta de 2002
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A queda do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada não foi
uma simples fatalidade na instável história política boliviana.
A crise que o levou à renúncia
já estava de certo modo esboçada em agosto de 2002, quando
ganhou o primeiro turno com
só 22,5% dos votos. Precisou
disputar o segundo turno no
Congresso com seu mais radical adversário, Evo Morales.
Este dissera na época que não
aceitaria a vitória do rival. "Não
negociarei com os neoliberais",
disse. E prometeu o bloqueio
de estradas e manifestações.
Morales é presidente do MAS
(Movimento ao Socialismo),
partido marxista. É indígena
-como cerca de 60% dos bolivianos- e líder dos cocaleiros,
que se viram mais empobrecidos pelo Plano Dignidade, que
os EUA financiam para erradicar o cultivo ilegal de coca.
A passagem de Morales ao
segundo turno não fora prevista em pesquisas. Ele teria quase
duplicado suas intenções iniciais de voto após inábil declaração do embaixador americano em La Paz de que seu país
suspenderia os programas de
ajuda se vencessem os "apoiadores do narcotráfico". A reação nacionalista funcionou.
Na verdade, Morales propunha que a coca, usada no país
para mascar e fazer chá, tivesse
uma área legal de cultivo maior
que a estimada pelos EUA.
O cocaleiro rejeita quase tudo
com o selo dos EUA, como a
Alca. A crise começou quando
Sánchez de Lozada anunciou o
plano, apoiado pelo FMI, de
exportar gás aos EUA, o que
equilibraria as contas externas.
Mas, para Morales, o gás deveria ser consumido pelos próprios bolivianos, que têm a segunda maior reserva regional.
Dizia também que pelo plano
só 18% dos lucros ficariam na
Bolívia. Outro agravante: estima-se que cerca 30% da população rural ainda use excremento animal como combustível para cozinhar. O governo
argumentava que o consumo
interno poderia ser suprido por
menos de 1% das reservas.
Em meio às cifras, havia o fato de a exportação ser planejada via Chile, para o qual a Bolívia perdeu, no século 19, sua
saída para o mar. Juntaram-se
o fantasma do imperialismo e o
da dignidade nacional. Os mais
pobres tinham nada a perder.
O estranho é que o ex-presidente não tenha conseguido
dialogar com o rival ou, na pior
hipótese, fortalecer na oposição um interlocutor alternativo. Comportou-se com a empáfia dos oligarcas. Seu ministério era todo branco, sem um
só índio, como Morales.
A crise foi contínua e durou
14 meses. As passeatas antigoverno ganhavam força, e mais
cadáveres eram produzidos pela repressão militar e policial.
De nada adiantou que Sánchez de Lozada anunciasse a
suspensão do projeto de exportação. A erosão de sua autoridade já era definitiva. O golpe
fatal foi a perda de apoio político, como o do então vice, Carlos Mesa, após as 26 mortes em
conflitos no domingo passado.
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