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EDUCAÇÃO
Crise fez número de jovens fora da escola e sem trabalho crescer 38%
Argentina enfrenta queda da
qualidade de ensino e evasão
CLÁUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES
Durante muito tempo a Argentina foi considerada modelo para
o Brasil na área de educação. Com
elevados índices de alfabetização,
o país, que foi pioneiro na universalização do ensino básico público ainda no século 19, hoje enfrenta a deterioração da qualidade de
ensino, que passou a ser considerada por especialistas tão ruim
quanto em outros países latino-americanos.
Além da queda na qualidade, os
argentinos enfrentam um outro
problema novo no país: a evasão
escolar. De acordo com a consultoria Equis, nos últimos quatro
anos, quando a mais feroz crise
econômica atravessada pelo país
deixou metade da população na
pobreza, houve um aumento de
38% no número de jovens entre
15 e 24 anos que não trabalham
nem freqüentam a escola.
"A crise econômica produziu a
figura do jovem absolutamente
inativo, um fenômeno muito conhecido no Brasil, mas que na Argentina é novidade", afirmou o
especialista em educação da Universidade Torcuato Di Tella (Buenos Aires), Mariano Narodowski.
Ironicamente, o crescimento
econômico dos anos 90 ajudou a
produzir esse fenômeno. Nesse
período, segundo Narodowski,
700 mil novos alunos entraram no
sistema público secundário.
Os gastos com educação, porém, não acompanharam o aumento da demanda. A Constituição argentina determina que o setor receba anualmente 6% do PIB
(Produto Interno Bruto). Nos
anos 90, segundo a Universidade
de San Andrés (Buenos Aires), a
média de gastos foi de 4,7%.
"Pela primeira vez na história
da Argentina, os filhos estão tendo uma qualidade de ensino pior
do que a dos país. É o contrário do
que acontece no Brasil, onde se
está produzindo uma inclusão
dos pobres no sistema educativo", disse Silvina Gvirtz, diretora
da área de educação da Universidade de San Andrés.
Surpreso com a educação de má
qualidade, o país debate acaloradamente a questão.
"Ernesto Kisner"
No mês passado, o professor de
direito da Universidade de La Plata, Bernardo Areco, aplicou um
teste de conhecimentos gerais aos
alunos do primeiro ano. Surpreendeu-se tanto com o resultado que o assunto gerou uma intensa discussão na mídia.
Os alunos chamaram o presidente Néstor Kirchner de "Ernesto Kisner", disseram que Auschwitz, o campo de concentração,
era um biólogo, que a Guerra Fria
foi uma invenção de Hollywood
ou um conflito bélico que matou
muita gente por causa das baixas
temperaturas.
O processo não é totalmente novo. O país começou a perder liderança na área de educação na década de 60, durante os governos
militares, mas o fosso entre alunos pobres e ricos, comum na
maioria dos países da região, aumentou na Argentina nos anos
90, quando o ensino privado explodiu.
A Argentina ainda tem um dos
maiores índices de escolaridade
da região. Cerca de 75% da população tem nível secundário e 96%
das crianças estão cobertas pelo
ensino básico, de acordo com a
Unesco, o braço da ONU para
educação e cultura. O problema
não é quantidade, mas qualidade.
Com a deterioração do ensino, a
classe média abandonou as escolas públicas e procurou o sistema
privado. Atualmente, 25% dos argentinos freqüentam escolas privadas. A notícia seria boa se fosse
por uma questão de distribuição.
Quem tem dinheiro paga, deixando as vagas públicas para os mais
pobres.
Mas o problema é mais complexo, explicou a diretora da Flacso
(Faculdade Latino-Americana de
Ciências Sociais) Guillermina
Tramont. "O número de alunos
nas escolas privadas está aumentando porque a qualidade caiu,
não porque não há vagas. Isso
produz um esvaziamento do ensino, cuja qualidade está baseada
no capital cultural que o grupo
aporta."
Segundo Narodowski, a classe
média é a que tem poder reivindicatório. Com a saída desse setor,
as escolas públicas, assim como
no Brasil, compara, se transformaram em "comedouros". "A escola passou a suprir as necessidades básicas dos alunos", disse
Juan Carlos Tedesco, especialista
da Unesco.
A escola pública argentina gozou de prestígio internacional durante muito tempo. A primeira
universidade foi fundada em 1613.
O país universalizou o ensino público em 1884. Em 1914, 70% da
população argentina já estava alfabetizada e, em 1947, toda a população. Nos anos 50, o general
Juan Domingos Perón multiplicou o ensino técnico e as matriculas no nível secundário no país.
"Nesse período a Argentina consolidou um sistema de ensino de
alta qualidade e democrático, que
não fazia distinção de classes",
afirmou Gvirtz.
A inspetora da Escola Don Bosco, Alícia dal Val, localizada na
grande Buenos Aires, contou que
a escola, mesmo pública e periférica, tinha alunos de classe média.
"Mesmo morando em bairros
de classe média, os alunos se deslocavam para estudar aqui por
causa da tradição do ensino", afirmou, lembrando que a escola chegou a ter palestras do escritor Jorge Luís Borges nos anos 80. "Hoje,
os 800 alunos são todos moradores da Vila Itati, a maior favela a
sul de Buenos Aires."
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