|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Colômbia e o principiante
JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA
A Colômbia iluminou as
manchetes de quase todos os
meios de comunicação do
mundo no dia 2 de julho. É como se uma nova era se iniciasse
na história latino-americana. A
barbárie pareceria ter sido vencida pela mão delicada da civilidade. A democracia latino-americana, tão aviltada por instabilidades e resquícios da
Guerra Fria, caminharia para
sua maturidade. O fracasso do
seqüestro como meio de pressão política estaria sepultado
ante discurso sereno e pacífico
da senadora Ingrid Betancourt.
A opinião pública internacional respiraria aliviada. Libertou-se a refém mais famosa do
mundo, mulher, família tradicional, política e ponte entre a
Europa e um país do extremo
Ocidente. Quase tudo que se
viu nas notas apressadas, mas
verdadeiramente tocadas pela
boa surpresa, foi a imagem de
um divisor de águas entre a liberdade de pessoa com grande
visibilidade internacional e o
horror da lógica da guerrilha.
O calor do momento anima
interpretações as mais diversas
acerca do resgate espetacular
da senadora. Os críticos dos
chamados "corredores humanitários" que vinham sendo
construídos por grupos internacionais e alguns governantes
da região, encabeçados por líderes políticos de fora, como o
presidente da França, logo celebraram a manu militari empreendida pelo governante colombiano. Vitória militar de Álvaro Uribe e derrota política de
Hugo Chávez, apressaram-se
alguns analistas.
Outros insistiram que, sem a
gradual mudança, calculada e
estudada pelo apoio dos governos sul-americanos progressistas de esquerda, não teria sido
possível libertar Betancourt.
Houve ainda aqueles que viram
na libertação da refém a mão
poderosa da hegemonia norte-americana, a ocupar espaço de
inteligência militar no coração
de área sensível à América do
Sul: seu patrimônio amazônico.
E houve ainda aqueles que alinharam as crescentes perdas
das Farc e dos demais grupos
paramilitares colombianos
-exauridos pelas crises de lealdade, reversão da opinião pública internacional e morte de
seus líderes históricos- à idéia
de término da guerrilha como
um meio de ação política.
Todas essas interpretações
possuem alguma verdade, mas
não toda a verdade. Nos próximos meses teremos uma impressão menos apaixonada dos
fatos. Enumero três delas.
Em primeiro lugar, a senadora que sai do cativeiro deixa para trás mais de 700 reféns, em
circunstâncias que não se sabe
exatamente quais são, mas não
são certamente as que ela teve,
tratada como foi como moeda
importante de troca nas negociações entre os atores interessados na sua libertação.
Salva a grande personagem, o
que se fará pelos coadjuvantes?
Continuará a via militar a melhor solução? Há espaço para
manobra conciliatória ou assistiremos ao recrudescimento da
guerrilha? São questões sérias
que necessitam ser urgentemente tratadas. Afinal, são vidas da mesma importância que
a da ilustre senadora.
Em segundo lugar, está a incógnita política que representa
a própria senadora, candidata
natural à presidência da Colômbia, como já o fez. Seu discurso serene é de chamar a
atenção. Ainda mais seu agradecimento ao presidente Uribe, de quem foi crítica feroz na
eleição para a qual não pôde
chegar às condições de concorrer. Qual será a opção política
da potencial candidata? E como fica aquele que tem o apoio
de mais de quatro em cinco colombianos nas mãos para suas
ações contra a guerrilha?
Em terceiro lugar, um problema relevante para o contexto sul-americano. Se os colombianos preferem uma Bogotá
policiada e militarizada, com
todos os custos de cerceamento
de liberdades civis e de tensões
inerentes a esse contexto de
controle da caserna sobre a vida cidadã, o que será a democracia colombiana quando a fase mais dura do conflito findar?
Se o conflito está findando,
como anuncia Uribe, e se a senadora volta aos palcos políticos com sua versão pacifista do
discurso político que todos assistimos, quais serão as opções
reais do eleitor colombiano para o amadurecimento do Estado de direito na Colômbia?
Afinal, convenhamos, a Colômbia não é para principiantes. E muitos analistas apressados do hoje terão de se curvar
às novas evidências políticas e
culturais da difícil construção
da cidadania e da tranqüilidade
política na América Latina. O
triunfalismo do momento pode
ceder às visões do amanhã, menos luminosas que os dias
atuais em Bogotá.
José Flávio Sombra Saraiva, PhD (Birmingham
University, Inglaterra), é professor de Relações
Internacionais da UnB.
Texto Anterior: Foco: Em Letícia, Lula assina acordo militar e cita "liberdade" de hino brasileiro Próximo Texto: Frase Índice
|