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AMÉRICA LATINA
Pressão crescente de credores externos leva presidente a tentar transformar a renegociação em causa nacional
Kirchner mobiliza Argentina contra dívida
CAROLINA VILA-NOVA
DE BUENOS AIRES
O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, deflagrou um movimento para obter respaldo popular e político com o objetivo de fazer frente à pressão externa para
que o governo modifique sua proposta de reestruturação da dívida
pública, em moratória desde dezembro de 2001.
A questão já se tornou uma obsessão nas aparições públicas do
presidente e praticamente substituiu os temas predominantes no
discurso oficial até agora, como
direitos humanos e "limpeza geral" nas instituições.
A estratégia ganhou impulso
com o aperto do G8 (grupo dos
sete países mais ricos do mundo,
mais a Rússia) e do Fundo Monetário Internacional, que não aceitam o desconto de 75% no valor
nominal da dívida, de US$ 88 bilhões, proposto por Kirchner.
Essa pressão ganhou contornos
de tragédia quando a Justiça americana bloqueou bens argentinos.
"Se querem apertar, que apertem", reagiu Kirchner. "Aqui está
o povo argentino para construir
um novo destino", discursou
num bairro miserável de Jujuy.
"Sei que um país mais justo é possível, mas sozinho é impossível",
afirmou, pedindo aos argentinos
"força espiritual para não quebrarmos nas grandes batalhas".
Coube ao chefe-de-gabinete, Alberto Fernández, traduzir: "Os argentinos devemos fazer da dívida
uma causa nacional porque estamos falando não de resolver o
problema atual, mas de resolver o
futuro de várias gerações".
Respaldo
Pesquisas de opinião pública
apontam que a estratégia vem
funcionando. Em levantamento
da consultoria OPSM, 66% dos
entrevistados opinaram que a
questão da dívida "é um problema de todos os argentinos", contra 32,5% que acham que "é um
problema do governo".
Outros 55,4% afirmaram que,
mesmo com dificuldades nos
mercados, o governo deveria se
manter "inflexível" ou "pouco flexível" na negociação. A pesquisa
ouviu 1.100 pessoas em todo o
país entre 10 e 13 de fevereiro.
"O tema da negociação com os
credores está no centro da atenção do povo", afirmou Enrique
Zuleta Puceiro, da OPSM.
Ele ressaltou que, na semana
dos bloqueios, enquanto a Bolsa
de Valores argentina caía pela primeira vez em dez meses, a imagem positiva de Kirchner subiu de
77% para mais de 80%. "Isso
acontece cada vez que ele aparece
no centro da cena mostrando firmeza e integridade."
Estimulados pelas pesquisas, diversos setores sociais, políticos e
empresariais vêm respondendo
aos apelos do presidente.
Felipe Solá, governador da Província de Buenos Aires, chegou a
propor uma marcha na capital de
apoio às negociações do governo.
"Cremos nesses compromissos
ante a pressão asfixiante a que é
submetido o país pelos credores",
disse a Coordenação Interempresarial Argentina.
Grupos piqueteiros, de trabalhadores desempregados, também endossaram a causa, fazendo
"embargos simbólicos" como forma de protesto.
Mas alguns analistas alertam sobre os riscos envolvidos na estratégia de Kirchner, entre eles a impossibilidade de voltar atrás caso
seja necessário. Eles afirmam que
poucas vezes os argentinos embarcaram em um projeto político
desse tipo e que nem sempre os
resultados foram positivos.
"A tentativa de recuperar as
Malvinas em 1982 também foi
uma manipulação do nacionalismo patriótico com fins políticos, e
algum risco desse tipo pode existir hoje", escreveu o analista político Rosendo Fraga.
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