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Imposto sobre grãos foi pilar de retomada argentina após 2001
Mas aumento de taxa variável segundo preços internacionais detonou crise entre produtores agrícolas e governo Cristina
Especialistas questionam eficácia do imposto para
o controle da inflação; Kirchner já foi contra, quando era governador
ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES
"As retenções são uma política equivocada. Servem para
bancar a burocracia nacional
ineficiente." A frase poderia ter
saído da boca de um dos líderes
agropecuários argentinos, em
conflito com o governo há 103
dias contra o aumento do impostos às exportações de soja,
trigo, milho e girassol, as tais
retenções. Mas foi dita pelo ex-presidente Néstor Kirchner
(2003-2007), em 2002, quando
era governador de Santa Cruz.
De lá para cá, a visão de
Kirchner mudou. Na última
terça, ele disse que, sem as retenções, os argentinos "perderíamos tudo o que recuperamos nos últimos seis anos".
Assim como o Kirchner de
2002 e o de 2008, os argentinos
também se dividem quando o
assunto são as retenções. O aumento em março por decreto
da presidente Cristina Kirchner das chamadas "retenções
móveis"- que variam de acordo com o preço internacional
dos grãos- provocou um locaute agropecuário, com bloqueios de estradas, panelaços,
desabastecimento e a queda de
um ministro da Economia.
Mas as retenções não são novidade para os argentinos. Elas
começaram a ser aplicadas no
país em 1967, foram suspensas
nos anos 90 e voltaram em
2002, no governo de Eduardo
Duhalde, como um dos pilares
da recuperação econômica
após a crise de 2001 -quando o
governo, sem caixa, teve de acabar com dez anos de paridade
entre o peso e o dólar e decretar
moratória.
O aumento nesses impostos
tampouco é novidade. Foi a última medida de Kirchner no
poder e a primeira de Cristina.
Objetivos e inflação
Segundo o governo, as retenções têm três objetivos principais: redistribuir o que chama
de "renda extraordinária" do
setor agropecuário, diante do
boom das commodities agrícolas no mercado internacional;
garantir os subsídios a serviços
como energia e combustíveis,
que têm preços controlados pelo governo, e manter os preços
desses grãos e seus derivados
no mercado interno.
Mas especialistas dizem que
as retenções não serviriam para
conter os preços. "A Argentina
vive um processo inflacionário
generalizado que as retenções
não são capazes de controlar. O
imposto incide sobre quatro
produtos e a inflação está em
todos os lugares", diz o economista Ramiro Castiñeira, da
consultoria Econométrica.
Portanto, na análise de Castiñeira, o principal beneficiário
seria o governo, que engorda o
caixa com as retenções -elas
representam 13% da arrecadação fiscal.
Não é à toa que o governo não
abre mão das retenções e demorou mais de três meses para
enviar o projeto das taxas móveis para avaliação do Congresso. Com a crise do campo, que
praticamente interrompeu a
venda de grãos para a exportação, estaria perdendo US$ 1 bihão por mês em impostos.
Segundo o diretor do Centro
de Investigação de Instituições
e Mercados da Argentina, Aldo
Abram, o governo ganhou US$
25 bilhões com as retenções de
2002 a 2007. Com as retenções
móveis, se as exportações voltarem ao normal o retorno seria de US$ 15 bilhões apenas
neste ano.
Os analistas criticam o fato
de o governo querer manter o
superávit com aumento de impostos em vez de controlar seus
gastos. Além disso, dizem que
as retenções desestimulam os
investimentos em agricultura.
"Quanto maior é a retenção,
menor o incentivo a investir no
que hoje é um dos setores mais
eficientes e produtivos da economia", afirma Abram.
Sem receita
Apesar das críticas, nenhum
economista é capaz de receitar
o fim dos impostos às exportações para aplacar a atual crise.
"Ninguém sério pode defender hoje o fim das retenções. É
impensável. Seria como declarar guerra ao Brasil", ironiza o
diretor da Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe (Cepal) na Argentina,
Bernardo Kosacoff. "Seria um
abalo à estrutura econômica,
com efeitos na arrecadação, na
distribuição de renda, nos preços. Hoje não é possível discutir
se deve haver retenções, e sim
de quanto devem ser."
Para Kosacoff, a Argentina
deveria planejar substituir esses impostos por outros como
um sobre operações financeiras ou sobre a renda potencial
da terra, o que incentivaria a
produção agrícola.
Mas incentivar a indústria e
não a agricultura seria justamente o foco da política de retenções, argumenta o ex-ministro da Fazenda brasileiro
Luiz Carlos Bresser-Pereira.
Para ele, a política de retenções
está "absolutamente correta" e
é responsável pelo notável
crescimento recente da Argentina, de cerca de 8% anuais.
Esses impostos, diz, evitam
que o país seja tomado pelo que
os economistas chamam de
"doença holandesa", pela qual,
com a valorização da moeda, os
países perdem indústrias e viram fazendas ou minas.
Entre os anos 30 e 80, o Brasil também teve retenções, chamadas de "confisco cambial".
Sem elas, diz Bresser, não teria
desenvolvido indústrias. "O
Brasil poderia crescer o dobro
se aplicasse essa política, mas
aqui ninguém tem coragem de
mexer com o setor agrícola."
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