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Ao romper com campo, Cristina alienou aliados que a elegeram
FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO
Para o analista argentino Andrés Serbin, a atual crise governo versus campo é a primeira
batalha que os Kirchner temem
perder desde que chegaram à
Casa Rosada, em 2003.
O mais grave, diz ele, é que,
ao atacar o campo em bloco, a
presidente Cristina Kirchner
atingiu parte do público que
ajudou a elegê-la, vencendo as
resistências na classe média urbana. "A presidente não conseguiu o voto majoritário nas cidades, mas no campo", cita ele,
que é presidente da Coordenação Regional de Investigações
Econômicas e Sociais. Leia a
entrevista feita em São Paulo,
onde Serbin participou de um
seminário na semana passada.
FOLHA - Os Kirchner, afeitos à retórica inflamada, enfrentam a primeira batalha real desde 2003?
ANDRÉS SERBIN - Esta é a primeira batalha na qual eles percebem que podem perder. Esse é
o problema. Todos queríamos
que atuassem no marco institucional. Para mim, se há 200
mil pessoas na Praça de Maio e
cem mil em Rosário [pólo agropecuário] não significa nada. É
uma arma de mídia, só.
Essa crise é fruto de uma decisão imposta, tomada por decreto, sem passar pelo Congresso. Aqui há um típico mecanismo da cultura política peronista, de tomar decisões verticais, sem construir consensos. Mas esse componente autoritário não é exclusividade
peronista, o que dificulta o diálogo por todos os lados.
E o mais grave é que estamos
numa situação de polarização
extrema que tem a ver com
aqueles que levaram Cristina
ao poder. A presidente não
conseguiu o voto majoritário
nas cidades, mas no campo. A
ele se soma a classe média que
já não votou em Cristina e se vê
afetada pela economia, pela inflação. Há uma convergência
de interesses: o campo se une
ao descontentamento histórico
das classes médias urbanas
com o peronismo desta etapa.
FOLHA - O governo pôs campo e
parte da cidade do mesmo lado, o
que não é comum no país, certo?
SERBIN - Além da economia, há
outro fator. O campo não é
mais o de há 30 anos. Não tem
só latifundiários, tem os pequenos e médios produtores, a
classe média do campo. Há toda
uma tentativa de converter o
campo em um partido político,
de acusá-lo de ser golpista. As
pessoas se irritam muito com
isso. Na federação agrária [dos
pequenos produtores], muitos
vêm do peronismo. Esse jogo
de branco e preto -que tem
muito de [Hugo] Chávez- polariza muito a sociedade e não
ajuda a melhorar a qualidade
institucional. Mas Chávez tem
habilidade política, sabe quando abrir mão da polarização.
FOLHA - E para o sr. os Kirchner não
são habilidosos politicamente...
SERBIN - Digamos que Santa
Cruz não foi uma boa escola política [Província argentina onde Kirchner foi governador].
Há muito de paroquialismo.
FOLHA - Voltando à classe média.
O que alimenta a bronca com o
Kirchner, além da inflação?
SERBIN - Muita gente não questiona a necessidade de redistribuição de renda que eles pregam, que está no discurso de taxar o campo, mas o problema é
como. Se é por meio de um sistema político-clientelista ou
por meio de planos efetivos.
Uma das críticas do campo é
porque o dinheiro retido não
volta para o interior. É sobre federalismo. Para comparar, uma
coisa é o Bolsa-Família, outra é
trocar, como muitas vezes, subsídios por favores políticos.
FOLHA - De onde partem as vozes
no peronismo contra os Kirchner?
SERBIN - Na cultura do peronismo, quem manda manda mesmo. Mas quando começa a
mostrar debilidade... É como
em matilha de lobos: quando o
macho mostra fraqueza, os demais já estão prontos para saltar em sua jugular. E há claramente fissuras no peronismo.
Além do ex-presidente Duhalde, que estava esperando uma
oportunidade, há os governadores, parlamentares e prefeitos, eleitos com o voto do campo. Dizem: bom, quando vierem as eleições legislativas de
2009, vão nos eleger de novo?
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