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GUERRA SEM LIMITES
Laqueur, fundador dos estudos sobre o terror, afirma que a atual fase é transição para a destruição em massa
Megaterror está a caminho, diz analista
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
O pesquisador e historiador alemão Walter Laqueur, 83, afirma
que os ataques com aviões cheios
de combustível contra o World
Trade Center e o Pentágono no 11
de Setembro foram um estágio intermediário entre o terrorismo "à
antiga" e uma nova e crescente
possibilidade: o megaterrorismo,
com o uso de armas de destruição
em massa.
Criador da pesquisa sobre terrorismo, no final dos anos 60, Laqueur afirma que, nesta nova fase,
as ameaças "são crescentes e podem vir de qualquer lado".
"A resposta cada vez mais simples, de que somente os mais fanáticos se tornam terroristas, não
é verdadeira. Pode ser qualquer
um", diz, em entrevista à Folha.
"A tendência tem sido dizer que
o problema está todo calcado em
questões ideológicas. Seriam radicais, pessoas pobres, oprimidas
ou submetidas a ditaduras. Há algo mais aí", afirma. Laqueur diz
acreditar que exista uma "predisposição cultural e psicológica" na
raiz do problema.
O historiador não considera relevante a ligação entre pobreza e o
terrorismo. "Normalmente o terrorismo ocorre nos países intermediários, não nos mais pobres,
onde as pessoas estão preocupadas apenas em sobreviver."
Em "The Terrorism to Come"
(o terrorismo que vem aí), um artigo recente para a "Policy Review", Laqueur relembra as posições de Sigmund Freud (1856-1939) sobre os "instintos agressivos" da humanidade, que só poderiam ser controlados a partir de
motivações racionais.
"Freud estava parcialmente correto: a guerra, pelo menos entre
grandes potências, se tornou pouco provável por motivos racionais. Isso não se aplica ao terrorismo estimulado não por razões
políticas ou econômicas, e também não somente pelo instinto de
agressão, mas também por um fanatismo misturado à loucura."
Autor de mais de duas dezenas
de livros, entre eles "Geração Êxodo" (2001), da qual é um representante perfeito, Laqueur deixou
a Alemanha durante a ascensão
do nazismo.
Seguiu o caminho de outros estrangeiros ilustres de seu tempo
que se radicaram nos EUA, como
os ex-secretários de Estado americanos Madeleine Albright (nascida na então Tchecoslováquia em
1937) e Henry Kissinger (nascido
na Alemanha em 1923) e o historiador Peter Gay (nascido na Alemanha em 1923).
Laqueur é atualmente co-presidente do International Research
Council, setor do Center for Strategic and International Studies, de
Washington. Leia, a seguir, trechos da entrevista à Folha.
O megaterrorismo
não partirá necessariamente de grupos
islâmicos. Pode vir
de qualquer lado.
Basta um bando de
pessoas malucas.
Você não precisa de
um exército. Bastam
dez ou cinco pessoas
com dinheiro para
ter acesso a armas
de destruição em
massa, que existem
por aí
Bin Laden não é exatamente um louco,
há uma certa lógica
no modo como planejou as ações. Creio
que ele veja o mundo ocidental como
extremamente decadente. Ele acreditava que, se atacasse
uma, duas ou três
vezes, haveria um
colapso monumental. Isso foi um erro
da parte dele
Folha - Em seu artigo para a "Policy Review", o sr. afirma que as
análises político-econômicas não
ajudam a entender o terrorismo e
que há uma relutância em explorar
razões culturais e psicológicas. Como isso ocorre?
Walter Laqueur - As pessoas que
vêm tentando estudar o terrorismo estão negligenciando uma
questão fundamental: quem se
torna um terrorista? O que leva algumas pessoas a se tornarem terroristas em meio a uma maioria
que não pensa no assunto?
A resposta mais simples, de que
somente os mais fanáticos se tornam terroristas, não é verdadeira,
pois, mesmo em um grupo de
cem pessoas que acreditam em
uma causa comum, apenas um ou
dois se tornam terroristas. O que
os levaria a isso?
Desejo de agressão? São as pessoas mais fracas, que podem ser
facilmente influenciadas? Aqui
entra a questão psicológica. A tendência tem sido dizer que o problema está todo calcado em questões ideológicas. Os potenciais
terroristas são pobres, oprimidos
ou submetidos a ditaduras. Deve
haver algo mais, e isso não está
sendo explorado. Olhamos hoje
somente para as causas que não
explicam totalmente o problema.
Folha - O sr. discorda de análises
de instituições como o Banco Mundial, que vêem pobreza e falta de
perspectivas na base da expansão
do terrorismo, pelo menos no mundo árabe?
Laqueur - Não acredito nisso. Se
olharmos para os 50 países mais
pobres do mundo, temos todo o
tipo de violência, mas não o terrorismo. É verdade que, nos países
mais ricos, há muito pouco terrorismo. Mas normalmente o terrorismo ocorre nos países intermediários, não nos mais pobres, onde as pessoas estão preocupadas
apenas em sobreviver.
Obviamente existe a possibilidade de que uma situação de desemprego e falta de perspectivas
seja utilizada para ajudar a instigar o terrorismo onde ele já se faz
presente. Mas dizer que pobreza
causa terrorismo não é certo. Os
pobres já têm problemas demais
para se preocuparem.
Folha - No caso do terrorista mais
famoso da atualidade, o saudita
Osama bin Laden, líder da rede Al
Qaeda, a aparente motivação é fanatismo religioso. Isso está claro,
não?
Laqueur - É óbvio que no caso de
Bin Laden a religião é um fator
muito importante. Mas, no caso
dele, como dizia, a pobreza não
tem nenhum papel, pois Bin Laden não é exatamente um sujeito
sem recursos. No seu caso, certamente há um forte aspecto de radicalismo religioso. Mas também
não é só isso. Parece-me muito
mais haver um estímulo liderado
por um instinto de agressão, que
em algumas partes do mundo se
mostra maior do que em outras.
Bin Laden não é exatamente um
louco, pois há uma certa lógica
peculiar no modo como planejou
as ações e envolveu várias pessoas
de vários países nos ataques.
Por trás dessa lógica, creio que
ele veja a América e o resto do
mundo ocidental como extremamente decadentes. Ele acreditava
que, se atacasse uma, duas ou três
vezes, haveria um colapso monumental. Isso foi um erro da parte
dele. Bin Laden tinha algumas razões para supor que os EUA não
passavam de um tigre de papel.
Folha - Voltando ao aspecto cultural e psicológico, o sr. diz existir
um forte motivo de preocupação
em meio à segunda geração de imigrantes, sobretudo na Europa.
Laqueur - Isso sempre será um
problema. No caso dos muçulmanos do norte da África, do mundo
árabe e do Paquistão, mesmo depois de terem imigrado, há sempre um desejo de manter a cultura
de seus países de origem.
As primeiras gerações normalmente chegam a seus destinos e
praticamente não sabem a língua
e não conseguem, no limite, sequer articular adequadamente
suas reclamações e fazer valer os
seus direitos.
A segunda geração, ao contrário, absorve completamente a língua do país, mas, psicologicamente e culturalmente, mantém o
sentimento de que não é totalmente aceita nesse novo país. Isso
não é verdade em todos os casos,
especialmente nos dos imigrantes
ou de seus filhos que se dão muito
bem economicamente.
Mas, no geral, o sentimento que
permanece é o de que eles não são
parte desse novo mundo. Os imigrantes continuam rejeitados,
isolados e marcados, e isso causa
uma série de atritos com a população local. É uma situação de
atritos e ressentimentos que se
auto-alimenta. Esse é um cenário
fértil para conflitos e para o reforço da possibilidade de surgir um
"sentimento terrorista", seja por
meio de financiamento de organizações já existentes ou mesmo
com ações por conta própria.
Folha - O sr. dá a entender em seu
artigo que a fase do megaterrorismo está a caminho. Como o sr. avalia todo o esforço e a esperança, ao
menos retórica, dos EUA de democratizar o Oriente Médio usando o
Iraque como ponto de partida e de
tentar limitar esse risco?
Laqueur - O megaterrorismo
não partirá necessariamente de
grupos islâmicos. Pode vir de
qualquer um, de qualquer lado.
Basta um bando de pessoas malucas. No caso do megaterrorismo,
você não precisa de um exército.
Bastam dez ou cinco pessoas com
dinheiro para ter acesso a armas
de destruição em massa, que existem por aí e que podem ficar disponíveis. O provável neste momento é que, certamente, o maior
potencial repouse nos grupos islâmicos. Mas a ameaça pode vir da
esquerda, da direita ou de grupos
anarquistas. Em princípio, pode
vir de qualquer lado.
No caso do Iraque, creio que os
americanos estivessem muito otimistas e cheios de ilusões sobre o
que achavam que poderiam fazer
no Oriente Médio. Foi um erro.
Creio até que foi um "erro honesto", e não uma mentira total em
relação às intenções por trás da
guerra. Mas foi ingenuidade acreditar que, depois de uma ditadura
de 30 anos como a que existiu no
Iraque, as pessoas simplesmente
iriam aceitar uma democracia rapidamente.
Folha - O sr. diz que as ameaças
podem vir de todos os lados, mas
como avalia o papel de grupos extremistas religiosos como fonte de
terrorismo?
Laqueur - Há cem anos, essas
questões religiosas não tinham
nenhuma importância. Hoje em
dia, há uma espécie de renascença
entre setores religiosos radicais,
não apenas no mundo islâmico,
que, sem sombra de dúvida, é o
mais importante.
Sou relativamente otimista com
o fato de que esse tipo de fanatismo religioso não deve durar muito. Isso vem e vai como ondas,
que têm a ver com momentos de
cada geração.
Folha - Nesse contexto, o conflito
entre israelenses e palestinos exacerba o problema, não?
Laqueur - Claro que esse conflito
tem uma influência, mas ela tem
sido exagerada pela tendência entre as pessoas de procurar apenas
uma ou duas causas determinantes para o problema do terrorismo. É preciso lembrar que, entre
os grupos terroristas islâmicos em
Marrocos, na Indonésia e no Afeganistão, o conflito entre israelenses e palestinos tem uma influência absolutamente secundária. Eu
diria que o conflito ali tem mais
um valor simbólico do que qualquer outra coisa.
Folha - Nesse quadro geral, como
o sr. vê a movimentação dos EUA,
que só conseguiram se tornar mais
impopulares?
Laqueur - Os Estados Unidos
talvez sejam um pouco mais impopulares hoje do que já foram no
passado. Mas é preciso lembrar
que, mesmo na América Latina,
ninguém nunca gostou dos "gringos". Sempre houve um sentimento antiamericano, não necessariamente devido a algo específico. Um grande país é sempre perigoso, mesmo que ele se comporte
muito bem e com justiça. Mas será sempre uma ameaça, pois amanhã as coisas podem mudar.
No caso dos Estados Unidos,
eles deveriam ter sido mais diplomáticos. Mas, mesmo que isso tivesse acontecido, a diferença entre o que poderia acontecer e o
que está acontecendo talvez não
fosse tão grande.
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