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ENTREVISTA
Para David Frum, co-autor do termo "eixo do mal", os EUA são mais dependentes de alianças do que os romanos
EUA não são Roma, diz ex-redator de Bush
DE WASHINGTON
Apesar da supremacia militar,
os EUA não são a Roma moderna
porque a segurança de sua população depende da cooperação internacional. A opinião é de David
Frum, ex-redator de discursos do
presidente George W. Bush que
ajudou a cunhar a controversa expressão "eixo do mal". Em entrevista à Folha, Frum contou que
Bush "não é bom com palavras".
A expressão "eixo do mal" foi lida pelo presidente quatro meses
depois dos atentados de 11 de setembro. Ao colocar sob a mesma
classificação Coréia do Norte, Irã
e Iraque, sugeriu uma aliança desses três países contra os EUA.
Frum disse ter sugerido primeiro "eixo do ódio", mas teve de trocar o "ódio" pelo "mal" como forma de atrair o forte apelo religioso
da população. "Num país onde
quase dois terços da população
acreditam na existência do diabo,
o uso da palavra mal ["evil'" tem
impacto", disse Frum, judeu.
Jornalista, Frum trabalhou na
Casa Branca como redator de discursos entre janeiro de 2001 e fevereiro de 2002 -período sobre o
qual escreveu o livro "The Right
Man". Foi demitido depois que
sua mulher informou a amigos,
por meio de e-mails, que fora seu
marido o autor da expressão "eixo do mal".
(MARCIO AITH)
Folha - Sendo um não-cristão, como o sr. se sentiu trabalhando numa Casa Branca onde reuniões começam com orações e o presidente
promove leituras da Bíblia?
David Frum - Foi um pouco exótico no começo. A primeira frase
que ouvi na Casa Branca foi: "Não
te vi na leitura da Bíblia". Mas não
foi desconfortável. Teria sido pior
se eu fosse apenas descendente de
judeus. Mas, como sou judeu de
fato, compreendo que somos minoria onde quer que estejamos.
No entanto a imagem que os
evangélicos carregam, de rígidos e
implacáveis, não é a mesma que vi
no governo. Os evangélicos da
Casa Branca de Bush são extremamente gentis e cordiais. Levaram a Washington um tom de seriedade moral. Quando Bush foi
eleito, pesquisas indicavam que
os republicanos perdiam para os
democratas em todos os critérios,
a não ser no quesito da moralidade. Al Gore deveria ter ganhado a
eleição, não fosse o quesito da
moralidade e, talvez, o da religião.
Folha - Qual é a influência da fé
de Bush sobre sua administração?
Frum - Tudo no governo está ligado à natureza do presidente. E
você não pode entender Bush sem
entender o poder de suas convicções religiosas. A fé do presidente
marcou sua reação aos atentados
de 11 de setembro, seu projeto político para os EUA e para o mundo. Além disso, o eleitorado republicano deixou de ser só de ricos
para tornar-se um partido de famílias religiosas. Pessoas casadas,
com filhos e que vão à igreja uma
vez por semana deram a vitória ao
partido do presidente nas eleições
legislativas de novembro passado.
Essa é uma das razões pelas
quais a religião se tornou importante. Mas Bush não ameaça a secularidade ou a separação entre
igreja e Estado. O presidente só
quer energizar valores religiosos.
Europeus ficam horrorizados
com a religiosidade de Bush. No
entanto, na Alemanha, os cidadãos são obrigados a pagar taxas
para a igreja. No Reino Unido, a
igreja ainda é o segundo ou terceiro maior proprietário de terras.
Folha - Como era seu contato com
o presidente Bush?
Frum - Ele lia meus rascunhos e
mandava de volta com correções
do tipo "isso vai aqui" e "isso não
faz sentido algum". Sua maior
preocupação é com a lógica dos
textos. Houve também contatos
telefônicos. Antes do 11 de setembro, o presidente reunia-se com
seus redatores de discursos a cada
duas semanas para expressar o
que pensava. Bush, visivelmente,
não é bom com as palavras. Para
pessoas assim, normalmente há
duas reações. A primeira é dizer:
"Não ligo para palavras, elas não
importam". Essa era a reação de
seu pai. Outra é dizer: "Entendo o
poder das palavras, quero usá-las
apropriadamente e, para isso,
quero que vocês [redatores de discursos" entendam o que estou
pensando". Semanalmente, Bush
convocava cinco a sete de nós para o Salão Oval para conversar.
Folha - O sr. poderia ser mais claro com relação a Bush não ser bom
com palavras?
Frum - Quando Bush está de pé,
improvisando, sabe muito bem o
que quer dizer. Não se trata de um
homem com opiniões frágeis. O
presidente tem posições sólidas,
claras e coerentes. Várias pessoas,
quando enfrentam o público,
procuram por palavras que nunca
vêm. É o caso de Bush. As câmeras estão lá, ele procura pelas palavras, mas elas simplesmente
não vêm. Não fluem para ele como para outros políticos. Para algumas pessoas, pensar significa
transformar idéias em pensamentos. Outras têm impressões, idéias
e imagens, mas não palavras. Ele
está no segundo grupo.
Folha - O sr. foi co-autor da expressão "eixo do mal". De quem foi
a idéia de colocar esses três países
distintos [Irã, Iraque e Coréia do
Norte" dentro do mesmo saco?
Frum - Um discurso como aquele envolve o trabalho de cerca de
cem pessoas. Redatores trabalham com base no condicional.
Dizemos ao presidente: "Se o sr.
quiser dizer isso, talvez essa seja a
melhor forma". Meu pensamento
inicial foi descobrir a ligação entre
o terrorismo e esses países. Embora informações de inteligência
mostrem se tratar de um grupo
heterogêneo e rival, é óbvio que
odeiam os EUA mais do que a si
próprios e que, se pretendem vencer os americanos, devem se unir.
Folha - Alguém pediu que o sr.
buscasse uma ligação entre esses
países ou o sr. a sugeriu ao presidente espontaneamente?
Frum - A idéia inicial, solicitada
pelo presidente, foi preparar um
discurso explicando por que Saddam Hussein deveria ser deposto.
Pensei: se formos fazer essa ligação [entre o 11 de setembro e Saddam], qual seria a melhor maneira? Minha primeira sugestão foi
usar a expressão "eixo do ódio".
Mas, como Michael Gerson [chefe
dos redatores de discursos" queria aproveitar a referência teológica usada por Bush após o 11 de setembro, "eixo do ódio" transformou-se em "eixo do mal". Bush
chamara os autores do atentado
de malfeitores ["evil ones"]. Num
país onde quase dois terços da população crêem na existência do
diabo, a comparação teve impacto. A inclusão do Irã partiu da assessora de segurança nacional,
Condoleezza Rice.
Folha - Em sua opinião, qual é o
plano de Bush para o mundo?
Frum - Pessoas frequentemente
traçam paralelos entre os EUA e o
Império Romano. Mas não é verdade. Os romanos não dependiam tanto da cooperação de seus
aliados quanto os EUA agora.
Quando irritadas, as autoridades
dos EUA podem ameaçar ações
unilaterais, mas nunca seriamente. A dependência não é só econômica, mas também de inteligência. Veja o caso da Tríplice Fronteira (entre Brasil, Argentina e Paraguai). Tudo o que os EUA sabem dessa região vem dos governos aliados. É por isso que os EUA
não são um poder imperial.
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