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AMÉRICA LATINA
O chanceler Celso Amorim admite preocupação com a possibilidade de a guerrilha ultrapassar a fronteira
Brasil teme se tornar refúgio das Farc
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Apesar de o Brasil relutar em reconhecer as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) como grupo terrorista, o
chanceler Celso Amorim admitiu
que há preocupação com a possibilidade de a guerrilha ultrapassar
as fronteiras e usar o território
brasileiro como refúgio.
"Evidentemente, é uma preocupação. E, se houver indicação de
atividade terrorista em território
nacional, vamos ter de agir", disse
Amorim na sexta-feira à Folha,
logo após receber a primeira carta
formal do governo da Colômbia
pedindo o reconhecimento das
Farc como "grupo terrorista".
A mesma carta foi encaminhada aos outros países que fazem
fronteira com a Colômbia: Venezuela, Peru e Equador. Quem a assina é o presidente Álvaro Uribe.
Amorim deixou claro que não
há no Brasil uma catalogação de
grupos terroristas e disse que segue a OEA (Organização dos Estados Americanos). Por iniciativa
da própria Colômbia, a OEA citou
pela primeira vez as Farc como
responsável por atentados terroristas. Na sutil linguagem diplomática, é diferente de dizer que se
trata de um grupo terrorista.
A sutileza se explica, apesar de o
chanceler ter se negado a entrar
em detalhes. É que classificar de
terrorista poderia justificar a intensificação de ações militares
americanas na Colômbia. Atualmente, tropas dos EUA já colaboram com o governo de Uribe dentro do Plano Colômbia, mas sob o
pretexto de acabar com o narcotráfico, não explicitamente com o
terrorismo.
Com o possível acirramento da
tensão colombiana, especialmente depois de um atentado que matou civis no início do mês, o temor
do Brasil é que o conflito se "expanda" aos países vizinhos.
Venezuela
A crise da Colômbia preocupa
ainda mais o Itamaraty e o Planalto porque os dois países fazem
fronteira com um outro vizinho
problemático: a Venezuela, que
acaba de sair de 63 dias de greve.
Conforme a Folha apurou, o
Brasil considera que a melhor solução para o conflito venezuelano
é um referendo popular com base
na Constituição.
Amorim, porém, se negou a comentar eventuais soluções internas. Disse apenas que o Brasil e o
Grupo de Amigos da Venezuela
consideram necessário "o estabelecimento de um clima de confiança mútua entre o governo Hugo Chávez e a oposição". Isso, disse, é fundamental para preservar
o resultado de qualquer acordo.
Em recente encontro em Brasília com o chanceler da Venezuela,
Roy Chaderton, Amorim fez algumas sugestões para serem colocadas na mesa de negociações entre
Chávez e os líderes oposicionistas.
Uma delas é a presença de monitores internacionais caso venha
a ser realizado um referendo para
agosto, o que é, aparentemente, o
mais provável. Esse referendo seria sobre a permanência ou não
de Chávez no poder.
O encontro dos dois chanceleres foi antes do mais novo lance
da crise: a prisão de um dos líderes de oposição, Carlos Fernández, da Fedecámaras, principal
entidade empresarial do país. A
decisão foi interpretada como ato
político, que acirra os ânimos em
vez de abrir negociações.
Mais uma vez, Amorim foi cauteloso ao comentar o episódio:
"Foi uma decisão judicial, e há
que se partir do princípio de que o
Judiciário é independente. O momento é de procurar distender".
A frase certamente vai agradar
ao embaixador da Venezuela no
Brasil, Vladimir Villegas, que reclamava das versões que circulavam em Brasília contra as prisões.
Segundo ele, "foi uma decisão judicial, porque o empresário foi citado pelo Ministério Público e se
recusou a comparecer; ele foi preso dentro da lei".
Iraque
Além das crises vizinhas, o Brasil se engajou na luta de países
grandes, como Rússia, Alemanha
e França, contra um ataque imediato dos EUA ao Iraque.
Na última reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com
seus ministros, Amorim disse que
a guerra "é possível", mas deixou
alguns dos colegas perplexos ao
ressalvar que "não é inevitável".
Na sexta-feira, voltou a repetir
para a Folha: "Existe, sim, a hipótese de não haver guerra". Lembrou que "muita coisa, além da
própria economia, está em jogo",
como o prestígio da ONU e de seu
Conselho de Segurança.
Quanto aos sinais de fragilidade
da economia americana, comparou: "Em muitos momentos, uma
guerra pode ter sido solução para
crises recessivas. Com certeza,
não é o caso agora".
Recém-chegado de uma viagem
a Moscou e Berlim, onde discutiu
a possibilidade da guerra, Amorim disse que o Brasil ganhou importância no novo cenário mundial: "Não podemos superestimar, mas também não devemos
subestimar. Você não marca trivialmente encontros com russos e
alemães se eles não tiverem interesse na posição brasileira".
Ainda segundo o chanceler, "o
Brasil é um país em desenvolvimento que simboliza a posição de
muitos outros".
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