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CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES
Para o indiano Dilip Hiro, ataque ao Iraque deve gerar hostilidade aos EUA
Bush estimula terror, diz analista
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Apesar da proximidade do fim
do regime de Saddam Hussein, os
Estados Unidos têm pouco a comemorar. Tende a crescer o sentimento antiamericano no mundo
islâmico, o que geraria hostilidade
e terrorismo. Há um estímulo ao
"confronto de civilizações".
É o que diz Dilip Hiro, indiano
radicado em Londres, que publicou 24 livros sobre o Oriente Médio e relações políticas nas sociedades islâmicas nos últimos 30
anos . Ele é colaborador de jornais
como o "Wall Street Journal" e o
"Los Angeles Times" e de revistas
como "The Nation". Leia a seguir
trechos de sua entrevista à Folha.
Folha - A guerra será curta ou será longa, se é que tal previsão é
possível pela reação das tropas iraquianas frente à coalizão?
Dilip Hiro - Devemos antes de
mais nada definir o que seria uma
guerra "curta". Uma guerra de sete dias seria curta. Mas, ao se prolongar, ela criaria problemas para
os EUA e o Reino Unido. Não se
trata de uma "coalizão" ocidental
empenhada na invasão do Iraque.
"Coalizão" ocorre quando um
conjunto de países contribuem
com soldados ou mobilizam
aviões e embarcações de guerra.
Em 1991, na Guerra do Golfo, 28
países se engajaram ao lado dos
EUA. Agora se engajaram apenas
dois, o Reino Unido e a Austrália.
Um governo que permite que
aviões norte-americanos atravessem seu território não é, a rigor,
membro da atual "coalizão".
Folha - A França se opõe a uma
administração anglo-americana do
Iraque após o término dos combates. Acredita que exista alguma
chance de a comunidade internacional forçar que esse governo provisório esteja nas mãos da ONU?
Hiro - Não acredito que a ONU
se envolva na administração do
Iraque. A França se opôs à invasão do Iraque e, por conta disso,
sua posição não será levada em
consideração em Washington. O
fundamental é lembrarmos que
americanos e britânicos violaram
a Carta da ONU, que só permite
que um país ataque militarmente
um outro para se defender de
uma agressão iminente.
Folha - Não haveria um estranho
paradoxo no fato de alguns analistas acreditarem que a unidade iraquiana seria mais facilmente preservada se o governo fosse entregue a um general norte-americano
e não a políticos exilados que fizeram oposição a Saddam?
Hiro -A questão consiste em saber por quanto tempo o país será
governado por esse general designado pelos EUA. E o que acontecerá quando esse general transferir o poder aos iraquianos.
Folha - Washington e Londres teriam preferido que Saddam fosse
derrubado por um golpe antes que
suas tropas chegassem a Bagdá,
pois a sucessão do ditador seria assim menos traumática. Esse roteiro
é ainda factível?
Hiro - Os EUA tentaram muitas
vezes derrubar Saddam por meio
de um golpe. E não foi para instituir a democracia no Iraque, já
que a idéia de democracia era vergonhosamente ignorada. Entre
1991 e 1999, a CIA estimulou golpes, sozinha ou atuando em conjunto com o M16 [serviço secreto britânico]. Nunca deu certo. Agora, para um golpe ser bem-sucedido, é preciso que existam conspiradores com poder em Bagdá, já
que, nas Províncias, Saddam cedeu parte do poder para comandantes locais e chefes tribais.
Folha - O sr. escreveu recentemente que "George W. Bush poderá ter sucesso onde Osama bin Laden fracassou, ao provocar um choque de civilização entre o islã e o
Ocidente caso chegue a invadir o
Iraque". Quais as razões desse
diagnóstico, e até que ponto ele seria desmentido pela maneira com
que EUA e Reino Unido estão conduzindo a guerra?
Hiro - Pesquisa feita em 44 países
em dezembro último, pelo jornal
"International Herald Tribune" e
pelo Pew Research, demonstrou
que, dos 14 países muçulmanos
pesquisados, apenas em dois
(Mali e Uzbequistão) a maioria
das pessoas tinha dos EUA uma
imagem positiva. No Egito, que
tem sido um aliado de Washington desde 1972, apenas 6% tinham essa opinião. No Paquistão, aliado-chave dos EUA em seu
combate à Al Qaeda, só 11%.
A invasão do Iraque, onde 95%
da população é muçulmana, alimentará sentimentos contra os
americanos no mundo islâmico.
Nesses países, a percepção dominante é a de que o ataque ao Iraque foi um ataque a um país muçulmano, não uma simples operação destinada a derrubar Saddam.
Quem provavelmente está esfregando as mãos é Osama bin Laden. Ele sabe que, a partir de agora, pessoas e grupos muçulmanos
não-fundamentalistas podem
aderir ao terrorismo contra os
EUA. Assim, ao invadirem o Iraque, Bush e Blair estimularam a
proximidade de um confronto
entre as duas civilizações.
Folha - O sr. já escreveu sobre a
forma pela qual Saddam construiu
em torno de si círculos de fiéis incondicionais para com isso manter-se no poder. Será difícil permitir a
emergência de uma nova geração
de lideranças, sem precisar contar
com pessoas que, sobretudo entre
os sunitas, tiveram vínculos com o
ditador e seu partido?
Hiro - As políticas imperialistas
sempre esbarraram em problemas sérios ao tentarem controlar
o Iraque. Em 1918, quando os britânicos obtiveram da Liga das Nações o mandado para manter o
país sob protetorado, eles tinham
duas alternativas: governar com
as estruturas tribais ou instalar
um sistema administrativo moderno. Optaram pela segunda hipótese. O resultado foi uma rebelião na qual 10 mil iraquianos foram mortos. Só então os britânicos recuaram.
Hoje, o Departamento de Estado quer promover um "transplante de cabeças", mantendo o
partido Baath intacto em suas bases, enquanto Paul Wolfowitz
[subsecretário americano da Defesa] cultiva a idéia nefelibata de
"implantar" um regime democrático no Iraque.
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