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BARACK OBAMA
ELE QUER COMANDAR MUDANÇA DE GERAÇÃO
Cerebral, democrata promete ruptura com era conservadora, mas se ampara em tradição
Sérgio Dávila, de Chicago
O clima no quartel-
general da campanha de Barack
Obama, em Chicago, é de contagem regressiva. Literalmente: o visitante é recebido por
uma placa com um número
mudado todos os dias que avisava, no domingo passado, que
faltavam 80 dias para as eleições de 4 de novembro.
Dentro, cerca de 200 pessoas
trabalham num ambiente de
300 metros quadrados. São jovens entre 20 anos e 30 anos,
que se sentam à frente de laptops, ouvem iPods e chamam o
candidato pelo primeiro nome.
Aliás, ensinam que a pronúncia
"cool" é "B'ráck", com bê mudo,
não bráck, nem baraque.
Espalham-se em baias que
formam quatro grandes seções.
A maior é a que lida com a imprensa. Dentro dela, a mais importante é a do "time de resposta rápida", pessoas que, tão logo
o candidato é atacado pela campanha de John McCain, disparam e-mails com os pontos
principais dos argumentos que
as pessoas ligadas ao democrata repetirão ao longo do dia.
A segunda maior é a que cuida de políticas do candidato e
de eleitorado. Há os arrecadadores. Há ainda a equipe do on-line, responsável por uma presença no mundo virtual de tal
eficiência que, dizem analistas,
vem recriando a maneira como
a política é feita nos EUA. Não
existem salas fechadas.
Obama aparece pouco -diz
que lugar de candidato é na rua.
Quando tem de se reunir com o
centro nervoso da campanha,
não mais do que cinco pessoas,
entre eles raposas velhas de
Chicago, escolhe o escritório de
seu estrategista, David Axelrod,
a 20 quadras dali e inacessível
ao resto dos mortais.
Essa divisão da campanha,
que prega a ruptura para consumo público, mas é fortemente calcada na tradição política
em seu cerne, de certa maneira
resume a candidatura do senador democrata de 47 anos.
Ele chegou até aqui baseado
numa plataforma cujo ponto
central são as palavras "mudança" e "esperança", embaladas por um pacote moderno,
que atrai os eleitores mais jovens e de maior instrução.
Isso casa com o clima atual
que muitos identificam como
um desejo de "troca de guarda"
de uma geração política. "Os
americanos estão prontos para
mudar", disse à Folha Samantha Power, até março consultora de política externa da campanha do candidato. "Em Obama, eles vêem alguém idealista
em princípios, mas também sofisticado, esperto e com chances reais de vitória."
Atrai esse público, além da
proposta de mudança, a biografia "pós-racial" do político. Filho de uma americana branca
do Meio-Oeste e de um queniano negro criado na tradição
muçulmana, ele nasceu no Havaí, passou a infância na Indonésia, se formou em direito em
Harvard, batizou-se numa
igreja cristã e começou a carreira política como organizador comunitário em Chicago.
Em encontro fechado com
políticos democratas no final
do mês passado, após voltar da
viagem à Europa e ao Oriente
Médio, o próprio candidato daria sua definição: "Está se tornando claro que minha viagem,
esta campanha -as multidões,
o entusiasmo, 200 mil pessoas
em Berlim- não falam de jeito
nenhum só sobre mim. Falam
dos EUA. Eu me tornei apenas
um símbolo".
É o que pensa Power, professora de Harvard: "É uma combinação do repúdio à associação entre George W. Bush e
John McCain com a força dos
próprios atributos de Obama, o
fato de que nunca vimos ninguém como ele nesta geração".
S
e é verdade, as urnas
responderão em novembro,
mas o fato é que, para chegar
até aqui, Obama usou e usa sem
restrição os métodos políticos
mais tradicionais, os mesmos
que condena em discursos.
Nesse sentido, sua passagem
por Chicago é reveladora. O então candidato ao Senado estadual de Illinois entrou na cena
local num momento em que a
reconfiguração urbana e uma
série de novas leis mudavam a
prática política dos EUA.
As campanhas, até então fortemente baseadas em organização e militância paga, começaram a dar lugar às baseadas em
aparições na mídia e em doações, que por sua vez lubrificariam a máquina de publicidade.
(Hoje, a candidatura de Obama é conhecida por ter aperfeiçoado as duas práticas, modernizando a primeira ao trocar
militância paga por jovens voluntários, sem descartar a segunda, ao se basear na mídia e
em doações pulverizadas.)
Mas manobras políticas antigas e pouco nobres não passavam ao largo dele, como disse à
Folha David Freddoso. O analista conservador é autor de
uma das biografias recém-lançadas sobre o candidato, "The
Case Against Barack Obama".
"Ele usou uma tecnicalidade
para desqualificar todos os seus
concorrentes na primeira eleição de sua vida", disse.
Entre esses estava a pessoa
que o introduziu na política local, a veterana Alice Palmer,
hoje com 69 anos. Os dois não
se falam desde então.
Em 2000, depois de perder a
segunda reeleição -os mandatos do Senado estadual de Illinois são de dois anos-, Obama,
com a ajuda de um aliado no
Partido Democrata local, redesenhou seu distrito de maneira
a incluir os votos de Hyde Park,
onde mora, mas também a pobre Bronzeville, onde começou
organizando comunidades, e a
rica Gold Coast, onde viviam
seus maiores doadores.
"Esse mesmo Obama diz que
mudará a maneira como Washington faz política", diz Freddoso. "Ele não é um reformista,
como Ronald Reagan foi. Ele é
apenas mais um político liberal
(de esquerda, nos EUA)."
De fato, embora tenha levado
seu discurso para o centro após
derrotar Hillary Clinton nas
primárias, Obama defende uma
plataforma de centro-esquerda. Prevê, no campo doméstico,
redistribuição de renda via taxação, maior presença do Estado em setores como saúde e
educação e uma política energética que usa impostos das petrolíferas para investir em
energia alternativa.
No campo externo, propõe
iniciar a retirada imediata das
tropas americanas do Iraque e,
mais amplamente, trocar a retórica belicosa dos primeiros
anos de Bush pelo engajamento
de aliados como a Europa, inimigos como o Irã e competidores como a China.
Para Samantha Power, "os
americanos e as pessoas dos
outros países estão prontas para ter esperança de novo". Para
David Freddoso, os americanos
não votam em candidatos de
esquerda e não votarão em
Obama "quando se informarem sobrem quem ele é".
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