Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O IMPÉRIO VOTA - RETA FINAL
Caso a tendência se confirme, será a primeira vez na história das disputas presidenciais que os republicanos ficam atrás na arrecadação
Campanha democrata pode ser a mais rica
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Embora não existam ainda números definitivos, tudo indica
que, pela primeira vez em eleições
presidenciais americanas, um
candidato democrata gastará
mais dinheiro que seu adversário
republicano. Foi o que disse à Folha o especialista Charles Lewis,
fundador e diretor da ONG Center for Public Integrity e autor de
"The Buying of the President,
2004" (a compra do presidente).
Segundo Lewis, George W.
Bush e John Kerry já arrecadaram
cada um US$ 230 milhões. Mas
Kerry leva vantagem nos chamados "grupos 527", ONGs que, pela
primeira vez, participaram maciçamente de operações de inscrição e mobilização de eleitores e do
financiamento de propaganda.
Eis os principais trechos de sua
entrevista.
Folha - A lei de 2002 previa que as
campanhas se financiariam por pequenas contribuições de milhões
de eleitores. O que deu errado?
Charles Lewis - A proposta era
bem-intencionada. Quis neutralizar o peso das doações de empresas e sindicatos aos caixas dos
partidos. Mas os grupos poderosos encontraram outros circuitos
para se manter influentes.
Folha - Não seria ingênuo tentar
barrar esses "grupos poderosos"?
Lewis - A história das reformas
de legislações nos Estados Unidos
é marcada pela manutenção dos
mecanismos que permitem a esses grupos manterem sua influência. E há igualmente legisladores
que procuram nos proteger contra a voracidade desses grupos.
Folha - Por que então tentar fazer
algo se, em termos práticos, os esforços são inúteis?
Lewis - Não se trata de ser contra
a lei da gravidade. Em verdade, se
os grupos mais fracos não fazem
alguma coisa, eles nem remotamente terão a esperança de influenciar os centros de decisão. O
antagonismo entre os poderosos
e aqueles que acreditam que a sociedade deva ser eqüitativamente
representada no governo é algo
tão antigo quanto a democracia.
Folha - A atual campanha será a
mais cara da história americana?
Lewis - Faz muito tempo que, a
cada eleição presidencial, constata-se que um recorde de gastos foi
quebrado. Bush e Kerry por enquanto arrecadaram, cada um, no
mínimo US$ 230 milhões.
Folha - Qual é a parcela dos eleitores que contribui para uma campanha como a atual?
Lewis - Sabemos que 96% dos
americanos jamais contribuem
para qualquer campanha no plano nacional. Os que dão US$ 1.000
representam 0,1% dos eleitores.
Os americanos não gostam de financiar candidatos. Ao se omitirem, acabam delegando poder
aos interesses poderosos. Nas
presidenciais de 2000, deixaram
de votar 100 milhões de americanos em condições de fazê-lo. Nas
eleições locais deixam de votar
75% dos eleitores inscritos ou potenciais. Ou seja, a democracia
americana tem sérios problemas.
Folha - Os interesses poderosos
são mais pró-democrata ou mais
pró-republicano?
Lewis - Eles estão dos dois lados.
E muitas vezes dos dois lados ao
mesmo tempo. Nenhum candidato arrecada US$ 230 milhões
com rifas ou churrascos no quintal de suas casas.
Folha - O "Washington Post" disse que o financiamento da atual
campanha foi feito por um punhado de milionários. Confere?
Lewis - É a verdade absoluta. O
próprio fato de fazer política se
tornou por aqui uma atividade de
cidadãos com fortunas pessoais.
O Senado americano tem cem cadeiras. Dentro dele, há 40 milionários. Mas, em termos demográficos, os milionários são menos de
1% dos americanos.
Folha - Qual foi o papel dos chamados grupos 527?
Lewis - Esses grupos obtiveram
doações individuais de mais de
US$ 1 milhão. Alguns doadores o
fazem em nome de seus interesses
econômicos. Outros, como o megainvestidor George Soros, o fazem por razões ideológicas, para
impedir a reeleição de Bush. Um
cidadão que preenche um cheque
de alguns milhões se torna mais
"fundamental" para certa campanha. Isso desequilibra o princípio
da igualdade entre os cidadãos.
Folha - Qual das duas campanhas
será a mais cara?
Lewis - Há alguns dias pela frente. Mas, pelo que sabemos por enquanto, Kerry deverá arrecadar
mais que Bush. Terá sido a primeira vez que um democrata terá
mais dinheiro que um republicano. Kerry arrecadou quatro vezes
mais que Bill Clinton em sua primeira eleição. Os grupos 527 arrecadaram quase US$ 400 milhões.
Entre eles, os grupos pró-democratas são mais numerosos.
Folha - Muito foi gasto em propaganda de TV. Não se cogitou propaganda eleitoral gratuita?
Lewis - Os ex-presidentes Jimmy
Carter e Gerald Ford disseram-me que a mídia eletrônica tem lucros incríveis, em razão dos anúncios pagos. O primeiro esboço da
legislação de 2002 previa o horário eleitoral gratuito. Mas o dispositivo foi suprimido em razão do
lobby das emissoras de TV. Assim, os EUA são a única democracia avançada do mundo em que
não há horário eleitoral gratuito.
Texto Anterior: O Império vota - Reta final: "Flor do Estrume" é braço direito de Bush Próximo Texto: Artigo: Sikhs da Índia ainda esperam por justiça Índice
|