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ÁFRICA
Após desfilar nas passarelas de Paris, princesa exilada pretende voltar a seu país com plataforma de reforma social
Princesa do Burundi quer concorrer à Presidência
MEERA SELVA
DO "INDEPENDENT"
O brilho e a elegância do mundo
da moda parisiense ficam muito
distantes dos sangrentos conflitos
tribais do Burundi, mas Esther
Kamatari, 53, ex-modelo e princesa burundinesa exilada, está determinada a retornar do primeiro
para o segundo país.
A elegante e franca princesa da
moda, que foi a primeira supermodelo negra da França nos anos
70, está disputando a Presidência
nas primeiras eleições livres de
seu país natal em uma década.
Ainda que tenha vivido na Europa nos últimos 34 anos, ela quer
levar o Burundi de volta a uma
forma mais antiga e tradicional de
vida, mesmo que isso signifique o
retorno da monarquia.
"Vivemos unidos por 500 anos
sem que ninguém usasse um facão para matar o vizinho, porque
havia uma administração do poder, um equilíbrio social e econômico baseado na tradição", disse.
"O rei era o pai do povo."
As palavras da princesa podem
encontrar adeptos entre os seis
milhões de habitantes do Burundi, que vivem um amargo conflito
étnico desde que 1972, quando o
último rei, tio de Kamatari, foi
morto.
O partido de Kamatari, Abahuza, ou União, foi reconhecido oficialmente pelo Ministério do Interior burundinês no mês passado,
e a princesa, que culpa os colonizadores de Burundi pela imposição de divisões étnicas ao país,
afirma que a missão do partido é
conseguir que "os burundineses
se reconciliem consigo mesmos".
Conflitos étnicos
A política do Burundi no momento gira em torno das tensões
entre os hutus, que são 85% da
população, e os tutsis, que, embora representem apenas 14% da
população, dominam instituições
como o Exército.
Kamatari vem da "ganwa", ou
classe real, que se vê nem como
tutsi nem como hutu, e espera que
esse status a coloque acima das
lealdades tribais e permita que
conquiste votos de ambos os grupos étnicos.
Se Kamatari obtiver sucesso em
sua campanha, ela voltará ao pequeno e montanhoso país que
deixou 34 anos atrás, depois que
muitos membros de sua família
foram assassinados, e assumirá
um posto cujos ocupantes têm
baixa expectativa de vida.
O primeiro presidente democraticamente eleito do Burundi
foi assassinado em outubro de
1993 depois de apenas quatro meses no cargo. O pai de Kamatari
foi assassinado em uma conspiração palaciana em 1964, dois anos
depois que o país conquistou a independência. Ela deixou o Burundi em 1970, depois de concluir
seus estudos.
Na vida nova que construiu em
Paris, Kamatari se tornou modelo
de Christian Dior, Paco Rabanne
e da Maison Lanvin. Seu 1,79 metro de altura e sua notável beleza
lhe deram acesso a um setor então
ainda dominado por mulheres
brancas. A princesa descreve seu
sucesso como resultado de estar
no lugar certo em momento afortunado. "Cheguei na hora certa,
os estilistas estavam à procura de
sangue novo."
Enquanto ela desfilava saias de
seda e sapatos altos na Europa, o
Burundi e os países vizinhos na
região dos grandes lagos africanos lutavam por encontrar uma
forma de governo que pudesse
abarcar as tribos tutsi e hutu.
Burundi entrou em guerra civil
em 1993 e, depois do genocídio
em Ruanda em 1994, as tribos hutu e tutsi em Burundi travaram
batalhas que causaram a morte de
300 mil pessoas. O conflito também expulsou mais de um milhão
de habitantes de seus lares, levando-os a se refugiar, em sua maioria, na vizinha Tanzânia.
Plataforma
Kamatari retomou contato com
sua terra natal a partir de 1987,
quando criou o plano "Burundi
Expansion", uma tentativa fracassada de relançar a indústria do turismo no país.
Três anos mais tarde, assumiu a
presidência de uma organização
humanitária francesa que fornecia assistência ao Burundi e assumiu o título de "princesa do rugo"
(uma casa tradicional burundinesa), envolvendo-se intensamente
com trabalhos de caridade em benefício dos órfãos tutsi e hutu.
Sua campanha eleitoral tem por
plataforma a reforma social. Cerca de 90% da população do Burundi ainda depende da agricultura de subsistência, e apenas
50% das crianças vão à escola.
"Em um país onde as pessoas
continuam armadas até os dentes,
as crianças não têm escolas e o sistema de saúde é inexistente, precisamos combater a privação social", disse.
No começo do ano, partidos políticos ligados a ambas as tribos
assinaram um novo acordo de divisão de poder, para servir como
base a uma nova Constituição.
Como parte do acordo, eleições
gerais deveriam ter sido realizadas neste mês, mas foram adiadas
até abril de 2005 porque os partidos políticos não conseguem chegar a um acordo quanto aos termos da nova Carta.
Centenas de tutsis do norte do
Burundi já fugiram para a vizinha
Ruanda, temendo que a violência
volte a irromper caso os partidos
envolvidos não consigam chegar
rapidamente a um acordo sobre
suas diferenças.
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