São Paulo, terça-feira, 25 de outubro de 2011 |
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CLÓVIS ROSSI Da democracia exige-se tudo
Em meio à abominação que foi o linchamento de Muammar Gaddafi, o jornal francês "Libération" introduziu um matiz: "É compreensível que, depois de 40 anos de tirania, a transição não seja como uma eleição na Suíça", escreveu François Sergent. Compreensível pode de fato ser, mas, como o próprio Sergent deixou claro, não é aceitável. Da democracia -o ponto de chegada teórico da revolta na Líbia- exige-se mais, exige-se tudo. Mais respeito à vida, aos direitos humanos, às liberdades públicas, mais eficácia na gestão, menos corrupção, mais justiça social -a utopia, se você quiser. É por isso que não dá para aceitar que se dê a Gaddafi o tratamento que ele deu aos líbios. Isto posto, é prematuro tomar o linchamento como sinal de que os ganhadores da guerra na Líbia são incapazes de estabelecer um sistema democrático. Há, nessa pressuposição, um certo preconceito. Ajuda-memória: o ditador italiano Benito Mussolini também foi linchado, em 1945, pelos "partigiani", os resistentes à ditadura fascista, que, no entanto, são considerados libertadores da Itália, e não bárbaros, ao contrário dos líbios. O fato de terem pendurado Mussolini de cabeça para baixo não impediu que a Itália logo se tornasse uma democracia plena. Para que fique claro: o mundo é melhor sem Gaddafis e Mussolinis, mas acho também que o correto seria levar ambos aos tribunais. Voltando à Líbia: se você quer um contraponto à barbárie praticada com o tirano preso, fique sabendo que 200 publicações independentes pipocaram no país desde a queda de Gaddafi e, segundo o jornal "The Independent", os leitores saem das bancas com as mãos cheias de diferentes jornais, de maneira a ter certeza de que não perderão nenhuma notícia. É um sinal -micro, é verdade- de que há uma sede de liberdade que eventualmente permitirá superar o tremendo desafio posto para as novas autoridades, assim resumido pelo premiê Mahmoud Jibril, em recente discurso: "Remover as armas das ruas, estabelecer a lei e a ordem e unir as diferentes facções do Conselho Nacional de Transição são as principais prioridades após a morte de Gaddafi". Um segundo sinal de preconceito são os comentários sobre a maioria (apenas relativa) que o partido islamita Nahda (renascimento) está obtendo na Tunísia, o país precursor das revoltas árabes. Mesmo com todo o cuidado para não ensombrecer o pioneirismo e o exercício do voto, muitos comentários na mídia ocidental apontam o Nahda como ameaça tanto à democracia como ao estatuto da mulher, bem mais liberal na Tunísia do que na média dos países muçulmanos. Pode ser, pode não ser, ninguém sabe. Mas o exercício da democracia pressupõe, com perdão pela obviedade, respeitar as decisões da maioria. O que não pode acontecer é repetir a Argélia de 1991, único outro momento democrático no Norte da África: os islamitas da Frente Islâmica de Salvação ganharam o primeiro turno, o Exército impediu o segundo, tomou conta do país e promoveu um banho de sangue de empalidecer a abominação que foi o linchamento de Gaddafi. crossi@uol.com.br AMANHÃ EM MUNDO Mark Weisbrot Texto Anterior: Análise: Preocupação central dos argentinos é ter um governo forte Próximo Texto: Partido islâmico festeja vitória na Tunísia Índice | Comunicar Erros |
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