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REVOLTA NOS ANDES
Para analistas, novo governo em La Paz não tem saída entre conter oposição e perder ajuda externa
Política antidrogas dos EUA alimentou levante na Bolívia
LARRY ROHTER
DO "NEW YORK TIMES", EM LA PAZ
Numa visita à Casa Branca no
ano passado, o então presidente
boliviano, Gonzalo Sánchez de
Lozada, disse a seu colega George
W. Bush que seguiria com a erradicação das plantações de coca,
mas que precisaria de mais dinheiro para reduzir o impacto do
plano sobre os agricultores. Senão, teria dito ele segundo autoridades bolivianas, estaria de volta
em um ano, "mas pedindo asilo".
Bush teria achado graça, dito
que todos os chefes de Estado enfrentam problemas e lhe desejado
boa sorte. Hoje Sánchez de Lozada, o mais fiel aliado de Washington na América do Sul, está asilado nos EUA após ser derrubado
por um levante popular visto como um golpe na política antidrogas dos EUA para a região.
Representantes dos EUA em La
Paz minimizaram a questão, atribuindo a queda de Sánchez de Lozada à frustração popular com as
exportações de gás e a corrupção.
Para muitos bolivianos e analistas políticos, porém, o problema
está ligado às questões do empobrecimento e da marginalização,
que deram origem aos protestos.
"O fato de os EUA exigirem a erradicação da coca foi a causa fundamental dos problemas de Sánchez de Lozada", disse o acadêmico boliviano Eduardo Gamarra,
diretor do Centro Latino-americano e Caribenho da Universidade Internacional da Flórida, em
Miami. Ele e outros analistas
vêem os fatos recentes na Bolívia
como aviso de que a política dos
EUA pode originar uma instabilidade maior na região, onde cresce
o sentimento antiamericano ante
o fracasso de reformas econômicas que Washington incentivou.
Na Bolívia, o antiamericanismo
fortalece a influência da figura política vista pelos EUA como o seu
maior inimigo no país: o líder cocaleiro Evo Morales, segundo na
eleição presidencial de 2002.
Os EUA viam a Bolívia como
um sucesso tão grande da guerra
às drogas que já pensavam em reproduzir no Peru a estratégia usada no país. Mas também no Peru
surgem sinais de insatisfação, como o ressurgimento do grupo
guerrilheiro Sendero Luminoso.
"O Sendero Luminoso é mais
forte nas áreas de cultivo de coca",
disse Michael Shifter, do grupo
Diálogos Interamericanos. "À
medida que os EUA se mostram
inflexíveis na erradicação do
plantio de coca, a população se
abre ao discurso de grupos insurgentes, como o Sendero."
Na Colômbia, a campanha de
erradicação reduziu substancialmente a área de cultivo da coca,
mas empurrou plantações para a
Bolívia e o Peru.
A proposta original era que a
campanha de erradicação fosse
acompanhada de um programa
que incentivasse os agricultores a
trocar a coca por outros cultivos.
Embora os EUA tenham dado
US$ 211 milhões ao projeto nos
últimos dez anos, os críticos dizem que a soma está longe de
compensar todos os que tiveram
seu meio de subsistência destruído com a campanha de erradicação. Na visita a Washington, Sánchez de Lozada pedira US$ 150
milhões para, entre outras coisas,
reduzir o déficit orçamentário do
governo, que limita os gastos sociais. Conseguiu US$ 10 milhões.
"Essas são quantias irrisórias,
inadequadas", disse o economista
Jeffrey Sachs, por muito tempo
assessor econômico do governo
boliviano. "Os EUA fazem exigências a um país depauperado
sem mostrar senso de realidade
nem propor uma estratégia para
auxiliar seu desenvolvimento."
O embaixador americano em La
Paz, David N. Greenlee, discorda.
"Acho que damos recursos substanciais. Alguns milhões de dólares a mais dos EUA não resolverão o problema da Bolívia", disse.
O novo presidente boliviano,
Carlos Mesa, afirmou que a erradicação da coca criou "um cenário complicado", dando sinais de
que a política poderia mudar.
Para Mesa, líder de um governo
interino fraco, pode ser inevitável
reduzir a erradicação para evitar o
destino político de seu antecessor
ou afastar opositores como Morales, que se fortaleceu apesar do esforço em contrário dos EUA.
Washington pressiona para que
o cocaleiro seja expulso do Congresso e indiciado pelo assassinato de quatro policiais em Chapare.
Além disso, na campanha presidencial de 2002, a embaixada dos
EUA sugeriu que sua eleição seria
vista como ato hostil, levando ao
fim da assistência à Bolívia.
"Isso só inflou Morales, impelindo-o à posição que ele ocupa
hoje", disse Gamarra. "Ele usa a
questão da coca para construir
um movimento nacional e os
plantadores de coca como sua
guarda pretoriana."
Para diplomatas e analistas políticos em La Paz, o novo governo
está num beco sem saída.
Se mantiver o plano de erradicação, poderá ter dificuldade em
conter Morales distante. Mas, se o
suspender, poderá afetar o fluxo
de ajuda externa ao país.
Tradução de Clara Allain
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