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IRAQUE OCUPADO
Para estudioso, gastos na infra-estrutura devem ir para pequenos projetos e não grandes iniciativas
Reconstrução precisa mudar, diz analista
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A segurança e o direito de influir
no futuro da nação são as duas
questões mais importantes agora
para os iraquianos. Se não conseguirem debelar a insurgência, os
líderes do governo interino -que
assume nesta semana- não terão nenhuma chance de dar alento à reconstrução do país.
A análise é de Frederick Barton,
diretor do Projeto para Reconstrução Pós-Conflito, do Centro
para Estudos Estratégicos e Internacionais, um reputado "think
tank" de Washington, especialista
em expansão da democracia e em
manutenção da paz e professor da
Universidade de Princeton.
Segundo ele, é preciso mudar a
ideologia da reconstrução -privilegiando pequenos projetos em
detrimento de grande iniciativas,
que são mais vulneráveis- e a
percepção popular do processo.
Folha - Como o sr. vê o período
que se seguirá à entrega do poder?
Frederick Barton - Acredito que
ele venha a ser muito difícil para
os iraquianos e para os estrangeiros que continuarem no país. Essencialmente, as pessoas que querem governar o Iraque se esforçam para restabelecer o antigo
modelo de poder. Ou seja, tentam
provar que são os líderes mais duros para obter respeito. Assim, esse período será complexo em dois
aspectos: o da segurança pública e
o da falta de condições para progredir na reconstrução por conta
do alto nível de insegurança. Os
incontáveis ataques recentes são
um mau presságio do que deverá
ocorrer no futuro próximo.
Folha - Quais são as precondições
indispensáveis para que o governo
interino possa dar alento ao processo de reconstrução do país?
Barton - Antes de tudo, os iraquianos em geral têm de sentir-se
seguros em seu país, o que não
ocorre atualmente. Ademais, eles
têm de sentir que têm grande influência sobre o processo político
e sobre seu próprio futuro. Eles
sabem que não controlarão o futuro do país a partir de julho, mas
devem ter condições de influir
realmente no que ocorrerá no Iraque. Sem dúvida, a segurança e o
direito de exercer influência sobre
o futuro da nação são as duas
questões mais importantes agora.
Se conseguirem atingir esses
objetivos de alguma forma, o que
é pouco provável no futuro próximo, os líderes iraquianos terão,
então, muito trabalho. Por exemplo, eles terão de garantir que o
processo de seleção do governo
que deverá assumir em janeiro
não será interrompido, de remover da sociedade as forças que
tentam intimidar os iraquianos,
como as milícias que não aceitam
a autoridade do governo central, e
de inserir no mercado de trabalho
o grande número de jovens desocupados do país.
Para tanto, os iraquianos precisarão de muita ajuda financeira
internacional. Muito dinheiro já
vem entrando no país e muito
mais entrará a curto e médio prazos. Infelizmente, contudo, a
maior parte desse dinheiro entra
na forma de contratos distribuídos às grandes empresas, o que
impede que esses fundos se tornem um verdadeiro multiplicador de empregos. Ademais, eles
têm de pôr a indústria petrolífera
em funcionamento, pois ela é
uma importante fonte de receitas.
Folha - É possível controlar a insurgência a curto ou médio prazos?
Barton - As autoridades americanas e iraquianas ainda estão
muito longe desse objetivo. Trata-se, sem dúvida, do maior problema do país. Se a violência persistir, será impossível dar continuidade ao processo de reconstrução
da sociedade iraquiana.
Folha - Quais foram as principais
realizações da coalizão?
Barton - Ela conseguiu livrar-se
dos antigos líderes iraquianos,
que eram fiéis a Saddam Hussein,
e melhorar o nível de vida em ao
menos metade do país, além de
ter aberto um diálogo público sobre o futuro da sociedade iraquiana. A população tem muito mais
liberdade para dizer o que quer.
Além disso, a coalizão conseguiu
religar o Iraque ao mundo.
No que tange à infra-estrutura,
houve muitos progressos. Todavia o trabalho efetuado é muito
vulnerável, pois a coalizão priorizou grandes projetos, que são
muito mais fáceis de serem sabotados que projetos menores. Muitas escolas e diversos hospitais foram reconstruídos, e um número
considerável de crianças voltou às
aulas em certas áreas do país.
O problema é que esses projetos
também são grandes e ficam expostos à violência da insurgência,
o que é negativo. A coalizão também conseguiu envolver milhares
de iraquianos nas estruturas administrativas de suas comunidades. Contudo ao menos cem deles
já foram mortos. Tudo isso mostra que a segurança é crucial.
Folha - Os futuros dirigentes iraquianos devem, portanto, privilegiar pequenos projetos?
Barton - Ante o grau de insegurança atual, isso é vital. Assim, se
alguém destruir uma rede de
energia elétrica ou um gerador
que serve a 30 famílias, as pessoas
ficarão bastante descontentes
com isso e se sentirão compelidas
a denunciar o infrator, o que não
ocorre com grandes projetos, pois
seus benefícios são pulverizados.
Num país como o Iraque, esse
"policiamento" local feito pela
própria população é primordial. É
preciso, portanto, mudar a ideologia da reconstrução e a percepção popular do processo.
Folha - Quais foram os outros
grandes erros da coalizão?
Barton - O principal erro diz respeito à violência. Desde a queda
do regime de Saddam, os soldados americanos deveriam ter
mantido a ordem a qualquer custo, impedindo os saques e a bagunça que vimos no ano passado.
Afinal, deixando de fazê-lo, a coalizão permitiu o surgimento de
um ambiente generalizado de insegurança desde o início.
O segundo grande erro foi não
permitir que os iraquianos liderassem o governo ou outros setores da sociedade civil. Com isso,
os esforços de reconstrução transformaram-se numa iniciativa da
coalizão, não dos cidadãos iraquianos, o que, obviamente, foi
malvisto por uma parcela significativa da população local.
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