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Velha prática, decapitar inimigos ressurge via internet
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A decapitação de inimigos voltou à moda, agora travestida de
espetáculo internético, como subproduto da "guerra ao terror" de
George W. Bush. Mas Daniel
Pearl, Nick Berg ou Kim Sun-il
não são os primeiros, nem serão
os últimos a tombar por um dos
mais antigos métodos de execução conhecidos do homem.
Não há um registro exato para o
surgimento da prática, mas provavelmente ela acompanhou a
forja das primeiras espadas na
Idade do Bronze (c. 3500 a.C). O
motivo é banal: separar a cabeça
do corpo é uma das formas mais
eficazes e baratas de assassinato.
Há vários registros na antigüidade. No Egito, a famosa Paleta de
Narmer, um hieróglifo datado de
3200 a.C., mostra decapitados em
homenagem ao deus Horus.
A decapitação floresceu em diversas culturas, muitas vezes associada à religião. A simbologia
do sangue é forte, como atesta a
defesa de que ele carrega a alma,
como diz o livro bíblico Levítico.
A cosmogonia hindu é repleta de
deuses a quem são oferecidos sacrifícios de sangue e cabeças, como Kali, deidade da noite.
Na Antigüidade Clássica, surgiu
a noção de que seria uma forma
"digna" de execução, por supostamente indolor, algo questionável, visto que as vítimas não podiam ser consultadas a respeito.
Mas a idéia pegou, embasada pelo
famoso historiador grego Xenofante (século 5º a.C.), em seu
"Anabasis". Os romanos reservavam a prática aos nobres e ricos
-ao povão sobravam as cruzes.
No ideário judaico-cristão, cabeças rolaram em abundância.
Há a história de Judith, que seduziu o general assírio Holofernes
no século 6º a.C. e o decapitou,
salvando os judeus acossados por
Nabucodonosor.
Exemplos ainda mais famosos:
Golias, decapitado após ser morto
por Davi com uma pedrada, e
João Batista, cuja cabeça foi servida numa bandeja a Salomé.
A decapitação era corrente entre mongóis e outros ""bárbaros".
Os celtas, hoje vistos como magos
bonzinhos pelos "new agers", cavalgavam com cabeças dos vencidos penduradas.
Do outro lado do Atlântico, era
forma de sacrifício entre os pré-colombianos. No sítio maia de
Chichén Itzá (México), há esculturas de cabeças cortadas.
Na primeira expansão muçulmana, iniciada no século 7º, a decapitação de inimigos foi adaptada de costumes tribais. O famoso
jurista Al Mawardi, da Bagdá de
1058, a defendeu como primeira
medida a ser tomada contra infiéis citando Muhammad.
Quarenta anos mais tarde, cristãos e muçulmanos se enfrentaram nas Cruzadas. Nenhum lado
poupou o pescoço do outro. Pátria-mãe do islamismo, a Arábia
Saudita é hoje o centro da decapitação oficial no mundo: 53 execuções por espada em 2003.
De volta à Europa, a versão greco-romana de "morte digna" à
nobreza indesejável virou norma.
Os ingleses a usaram entre 1076 e
1747 e tiveram em Ana Bolena, segunda mulher do rei Henrique 8º,
sua vítima mais famosa -morreu aos 29 anos, em 1536.
Mas foi do outro lado do canal
da Mancha que o corte de cabeças
atingiu status de política pública
moderna. Pensando na tal "morte
digna", democrática como a Revolução Francesa que a defendia,
o médico Joseph-Ignace Guillotin
criou em 1792 o instrumento que
ganhou seu nome.
Nos séculos seguintes, os países
europeus foram abandonando a
pena de morte e a decapitação. A
prática acabou associada a "selvagens" das colônias.
Ainda assim, no papel vigorou
em locais como a Alemanha, até
1949. Nos EUA, só prosperou em
lendas como a do cavaleiro sem
cabeça de Sleepy Hollow.
Esse refluxo trouxe às novas gerações a impressão de que a decapitação era algo restrito à Ásia, como no Camboja de Pol Pot (anos
70), ou às guerras em Ruanda
(1994) e Serra Leoa (2003). Nas
Américas, Haiti e Brasil deram
exemplos recentes.
Talvez o público "ocidental",
que consome violência no cinema, no noticiário e no dia-a-dia,
não se choque mais apenas com
seqüestros como os ocorridos no
Líbano na década de 80. É preciso
algo mais: o horror gráfico, com
artérias e veias jorrando sangue.
De uma forma ou de outra, os casos recentes mostram a perenidade da decapitação.
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