|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELEIÇÕES NOS EUA
Biografia de Clinton e títulos sobre os bastidores do governo Bush ganham importância central na campanha
Livro recupera prestígio na eleição dos EUA
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A surpreendente ascensão de
Howard Dean ao primeiro lugar
entre os favoritos para a candidatura do Partido Democrata (de
oposição ao governo Bush) parecia indicar como, graças à adesão
de internautas, um líder sem quase nenhum lastro no establishment político poderia conquistar
os votos da maioria do eleitorado.
De fato, o uso inteligente de
blogs, Meetups e listas de endereços eletrônicos deu consistência a
um movimento que em alguns
instantes chegou a lembrar o entusiasmo de campanhas históricas como a de Eugene McCarthy
que, em 1968, embora sem obter
para o então senador a candidatura democrata, tirou o presidente
Lyndon Johnson da disputa.
Mas, apesar da impressionante
soma de recursos financeiros
amealhada por meio de pequenas
contribuições individuais solicitadas e recolhidas virtualmente pela
rede, o ex-governador de Vermont não teve fôlego para passar
nem pelos dois primeiros testes
eleitorais, em Iowa e New Hampshire.
A hierarquia do Partido Democrata pressentiu que Dean poderia levá-lo a uma derrota fragorosa, do tipo da que Richard Nixon
impôs a George McGovern em
1992, e cerrou fileiras em torno do
aspirante mais tradicional entre
os 11 que se haviam oferecido para
desafiar George W. Bush, que ainda desfrutava de popularidade invejável. E John Kerry rapidamente se tornou o candidato das forças anti-Bush.
Nesta altura da campanha,
quem aparentemente emerge como o meio de comunicação de
massas mais influente da temporada eleitoral é o livro, o mais antigo e menosprezado de todos os
instrumentos de marketing político.
Nesta semana, por exemplo, o
lançamento de "Minha Vida", a
autobiografia de Bill Clinton, foi o
fato mais relevante do mundo político americano. As conseqüências da ressurreição do ex-presidente como fator eleitoral ainda
terão de ser avaliadas.
Não se sabe nem mesmo com
precisão o que Clinton almeja ao
se recolocar na arena da opinião
pública. No início do processo
eleitoral, suas tropas se alinharam
com o general Wesley Clark, numa frustrada tentativa de fazer do
ex-comandante da Otan o adversário de Bush.
Meio a contragosto, Clinton e
companhia aderiram a Kerry.
Muitos analistas acreditam, no
entanto, que o melhor cenário para Clinton seria a vitória de um
Bush enfraquecido, que abriria as
portas para a candidatura de sua
mulher, Hillary, em 2008.
A turnê de Clinton pelo país para a promoção de "Minha Vida",
no entanto, foi planejada tanto
por ele quanto pelos assessores de
Kerry com o objetivo de auxiliar a
campanha do democrata. Um dos
motivos fundamentais por que Al
Gore não venceu o pleito de 2000
foi a decisão de alienar Clinton de
sua estratégia para chegar à Casa
Branca. Kerry não cometerá o
mesmo erro.
A popularidade de Clinton junto a determinados segmentos da
população (negros, pobres, liberais e jovens) ainda é impressionante. E a lembrança de sua Presidência -o período de maior
prosperidade econômica do país
desde a Segunda Guerra e em que
as mentiras presidenciais se limitavam a detalhes de suas peripécias sexuais e não produziam
morte ou destruição- é capaz de
mobilizar muitos eleitores que se
disponham a compará-la com o
momento atual.
O livro de Clinton não foi o primeiro a ter impacto sobre a atual
campanha. Em março, "Contra
Todos os Inimigos", do ex-chefe
do setor de antiterrorismo da Casa Branca, desencadeou processo
de desconfiança em relação à
competência de Bush no campo
da segurança nacional que chegou ao seu auge nesta semana,
quando, pela primeira vez, o presidente deixou de ser visto pela
maioria dos americanos como a
pessoa mais bem preparada para
liderá-los nessa área.
A luta contra o terrorismo e a
invasão do Iraque eram os principais ativos de Bush na campanha.
Mas o depoimento de Richard
Clarke, respeitado e insuspeito
técnico, começou a transformá-los em passivos eleitorais. Outros
livros, como "Desarmando o Iraque", de Hans Blix, ex-inspetor-chefe da ONU no Iraque, contribuíram para solapar o prestígio
do presidente como líder guerreiro (houve quem chegasse a equipará-lo a Winston Churchill).
Entres os livros importantes na
formação da opinião pública nesta campanha eleitoral, não se pode deixar de mencionar o do ex-secretário do Tesouro dos EUA
Paul O'Neill, que desmascarou,
com o depoimento de alguém que
acompanhou intimamente as
mais graves decisões dos primeiros anos da gestão Bush, muitas
das lendas que davam suporte aos
enormes índices de aprovação
pública obtidos pelo presidente.
Câmeras indiscretas
Quando for escrita a história de
como os meios de comunicação
atuaram na eleição de 2004 nos
Estados Unidos, um capítulo terá
de ser dedicado às câmeras digitais e aos telefones celulares acoplados a elas.
Foi por meio delas que se obtiveram as imagens degradantes de
maus-tratos impostos a prisioneiros iraquianos por soldados americanos. As fotos, enviadas a familiares de alguns desses militares,
foram depois tornadas públicas e
têm tido efeito devastador sobre a
atual administração federal junto
a grande parte da população.
Também foi assim que se produziram as fotografias de caixões
de militares mortos no Iraque que
o governo Bush proibira de serem
feitas e exibidas. Postadas em
blogs e sites da internet, chegaram
aos jornais, que as veicularam.
O que leva o assunto de volta à
internet, que, embora possa não
ter tido ainda neste ano um papel
fundamental no marketing eleitoral (a televisão provavelmente se
mantém líder no setor), mesmo
assim passou a ser um personagem importante no debate político.
Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, mestre em comunicação pela Michigan State
University (EUA), livre-docente e doutor
em comunicação pela ECA-USP, é diretor
da Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas. Foi correspondente da
Folha em Washington e é autor de "Marketing Eleitoral", da coleção Folha Explica (Publifolha).
Texto Anterior: Afeganistão: Bomba mata 2 funcionárias eleitorais Próximo Texto: Clandestino Índice
|