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Fila para trabalho
reúne desesperados
de vários países
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Desesperados de várias nacionalidades faziam fila diante de
uma agência da qual sairiam carros para levá-los ao trabalho numa fábrica de sanduíches frios em
Leicester, que emprega imigrantes ilegais.
A quantidade de gente era espantosa. Iraquianos, afegãos, indianos, poloneses, africanos, alguns portugueses e uma massa de
brasileiros aguardavam para entrar nos carros. "Estou congelando, não tinha idéia que aqui fazia
tanto frio. Não tenho dinheiro
nem sei como comprar uma calça
aqui", disse Marileide, uma goiana de 43 anos, mostrando a única
saia que tinha trazido, de pano
bem fininho, sob a garoa, a uma
temperatura de uns 3C.
Ninguém da agência pediu documentos. Na fábrica, após os
procedimentos de higienização,
pusemos botas de borracha e toca
descartável e entramos num tipo
de frigorífico. Nossa missão era
colocar, ininterruptamente, os ingredientes que compunham os sanduíches, os mesmos
que eu muitas vezes
comprei nas grandes cadeias de supermercados em
Londres e que agora corriam freneticamente por uma
esteira.
Ao fim das primeiras cinco horas
sem nenhum intervalo, comecei a pedir água. Eu já não
era capaz de continuar com o trabalho que meus companheiros faziam a
cada dia e tive de
engolir, envergonhada, o choro de
quem nunca precisou viver aquela realidade.
Após dez horas de trabalho, já
com o sol raiando e uma música
eletrônica no último volume dentro da van que voltava para a
agência, olhei um por um dentro
daquele carro -todos dormiam,
exaustos- e pedi perdão, em silêncio, a cada um deles. A sensação de alívio em denunciar na TV
tamanho abuso era inversamente
proporcional à culpa por delatar o
o meio de sustento dessa gente.
Menos dinheiro
Basta receber o primeiro pagamento para ter uma idéia da exploração. Após todos os descontos -taxas, transporte diário e
acomodação-, o trabalhador recebe pouco mais que 2,80 libras
(R$ 15,90) por hora.
No dia seguinte, ao voltar com
seu primeiro salário -recebido
somente depois da segunda semana trabalhada-, a brasileira
Marileide me mostra a quantia: 68
libras ($ 386) por três dias no batente. Bem longe do que lhe oferecia o contrato.
"A gente sabe que está sendo explorada, mas, mesmo assim, dá
para mandar algum dinheiro para
a família", conformou-se.
Numa tarde no hotel onde estavam amontoados, os brasileiros
ilegais decidiram fazer uma reunião com Miguel, o português
agenciador de mão-de-obra, para
cobrar melhores condições de
moradia.
Perguntei-lhe, na ocasião, por
que os contratos não eram traduzidos em português e se eu podia
ter um recibo do aluguel. Ele respondeu: "Você nem existe, teu
documento é falso".
Frio arrepiante
No último dia me perdi de José,
e me mandaram para Orchard,
uma fábrica onde minha função
era descascar laranjas. Num local
do tamanho de um estádio de futebol, onde centenas de pessoas
picavam diferentes tipos de frutas, o frio era arrepiante.
À minha frente, uma mulher
com típicas feições indígenas da
América do Sul me confirmou ser
boliviana e que tinha pago US$
1.000 pela cidadania portuguesa
em Londres. Ela
também vivia
com brasileiros
numa casa provida por Miguel.
Na hora do intervalo, soube que
José fora retirado
do ônibus por
"excesso de contingente". Nosso
plano era fugirmos naquela tarde, mas então percebi que estava
sozinha.
Corri, ainda de
touca, pelas ruas
desertas da zona
industrial, sem
encontrar nenhum telefone pelos arredores. De
volta ao frigorífico, encontrei um
dos meus conhecidos que tinha um celular escondido. Do banheiro, liguei para José e pedi que viesse me buscar.
Fingi passar mal. Fui levada ao
escritório de Waldo, o manda-chuva português-moçambicano
que supervisionava a agência de
mão-de-obra nas fábricas. Ele me
deu dois comprimidos e disse para eu sentar.
Lembro-me de quando vi pela
última vez meu amigo do celular.
"Não me chame mais de Dione,
esse é o meu nome no documento", ele disse. "Meu nome é Fábio", piscou o olho, em tom de
confiança. "O meu tampouco é
Maria", me deu vontade de falar,
com aperto no coração.
Já com o tempo calculado da
viagem de José, saí do escritório,
com a desculpa de ir vomitar, correndo pelas ruas até avistar o carro que surgia para o meu resgate.
Cheguei a Londres atordoada,
com a sensação de ter literalmente saído de uma ficção. Levei um
tempo para me adaptar à minha
casa e à vida normal. Ao menos
deixei duas calças e uma blusa para Marileide. E jurei nunca mais
comprar um sanduíche de atum
na Marks & Spencer.
(CB)
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