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Ex-ditador iraquiano contava com o auxílio de pouca famílias próximas a ele em sua vida de foragido das forças americanas
Os últimos dias de SADDAM
JOHN F. BURNS E ERIC SCHMITT
DO "NEW YORK TIMES", EM AD DAWR
Antes de ser capturado em um
abrigo parecido com um caixão
perto da desolada cidade de Ad
Dawr, às margens do rio Tigre,
Saddam Hussein passou meses se
deslocando furtivamente entre 20
ou 30 refúgios indistintos no centro da região sunita do país, onde
uma rede estreita de famílias e
clãs o protegeu e o manteve informado sobre os acontecimentos
no Iraque, disseram oficiais das
Forças Armadas dos EUA.
Saddam usava mensageiros para transmitir suas instruções verbais a um núcleo de células do seu
partido Baath (hoje banido) que o
ajudavam a orientar a insurgência
contra a coalizão, de acordo com
oficiais envolvidos nos esforços
de inteligência que culminaram
na operação de captura de Saddam, em 13 de dezembro.
Para evitar ser detectado, Saddam, 66, se deslocava a pé, em pequenos barcos pelo rio Tigre e por
estradas secundárias, em uma
mistura sempre mutável de carros, táxis e caminhonetes, muitas
vezes à noite, e raramente com
mais de dois ou três leais seguidores, para não chamar a atenção.
Acostumado a palácios de tetos
altos e arabescos nas paredes, ele
deixou a barba e o cabelo crescerem, sobreviveu à base de chocolate, mel e frutas em calda e abandonou os uniformes e ternos italianos que ostentava em Bagdá,
optando por roupas tradicionais.
Antes que seus dois filhos, Uday
e Qusay, impiedosos praticantes
do terrorismo de Estado, fossem
mortos em tiroteio com soldados
dos EUA, em Mossul, no norte do
Iraque, em 22 de julho, a inteligência americana diz que eles se
encontravam periodicamente para planejar a insurgência.
A morte dos dois deixou Saddam ainda mais isolado dos líderes de seu governo, muitos dos
quais estavam sendo localizados e
capturados com base na lista
americana de 55 mais procurados. Alguns desses líderes, depois
de detidos, ofereceram pistas importantes sobre Saddam.
O coronel Todd Megill, oficial
de inteligência da 4ª Divisão de
Infantaria dos EUA, em Tikrit,
responsável pela operação de captura de Saddam, disse que as reuniões entre os três talvez fossem
causadas tanto por necessidades
operacionais quanto por motivos
de conforto familiar. "Eles provavelmente se reuniam em base regular porque só podiam conversar entre si", afirmou.
Boa parte da vida de Saddam
como fugitivo continua a ser uma
incógnita. Oficiais da inteligência
e comandantes das forças americanas no Iraque vinham trabalhando para delinear sua vida como fugitivo. Basearam suas conclusões em entrevistas com parentes, interrogatórios de líderes
capturados do partido Baath e outros fiéis do regime, interceptações de conversas em telefones via
satélite, documentos apreendidos, um conhecimento dos hábitos passados de Saddam e certas
suposições sobre o que seria preciso para evitar a caçada humana.
Os oficiais dizem acreditar que
Saddam fugiu para o norte do
país logo que a capital foi tomada,
no início de abril, perdendo a
confiança falastrona que vinha
demonstrando em seus últimos
dias de poder devido à velocidade
do avanço americano e à implosão de seu governo.
Tirano que construiu um Estado totalitário baseado numa rede
de mentiras, ele violou uma última promessa, a de combater ao
lado de seus seguidores, feita do
alto de um Passat velho, do lado
de fora da mesquita de Abu Hanifa, uma das mais sagradas para os
sunitas do Iraque, no dia 9 de
abril, o dia da queda da cidade.
Enquanto ele falava, no distrito de
Adhamiya, os tanques americanos mais próximos estavam a menos de 2 km de distância.
Depois de seu discurso em frente à mesquita de Adhamiya, Saddam e Qusay encontraram fogo
pesado de soldados americanos
ao tentar cruzar o Tigre de volta
para o bairro de Khadamiya, onde gangues de fedayin, a milícia
controlada pelo outro filho do ditador, Uday, patrulhavam as ruas.
Recuando, eles voltaram a Adhamiya, que foi vasculhada por forças americanas na mesma noite,
na primeira das muitas tentativas
frustradas de capturar Saddam.
Não muito tempo depois, Saddam e seus dois filhos desapareceram, saindo de Bagdá rumo ao
norte, para as terras de sua tribo.
Na Província de Salahuddin, região vasta com mais de 3 milhões
de habitantes que inclui a cidade
de Tikrit, onde Saddam cresceu,
ele decidiu se ocultar. Entrou em
contato com membros de sua família e de sua tribo, aliados desde
antes de sua ascensão ao poder e
beneficiados pelo seu governo.
Eram, em geral, simples aldeões, escolhidos entre uma rede
de cinco famílias tribais. Mas o valor deles para Saddam em fuga
provinha de seus contatos nas aldeias, seu conhecimento excelente da área e sua astúcia para iludir
um inimigo dotado de satélites de
espionagem capazes de interceptar comunicações telefônicas, tecnologia de imagem capaz de detectar homens se movendo por
estradas secundárias e nas margens de rios durante a noite e bancos de dados computadorizados
com listas de identidades, biografias e hábitos de milhares dos seguidores do ditador.
"São homens que o acompanharam por anos, fizeram o trabalho sujo para ele, são tão sujos
quanto ele", disse Megill.
O homem crucial para Saddam
pesava quase 140 kg, um veterano
de meia-idade da Organização Especial de Segurança, uma das mais
temidas agências
no aparelho do
terror iraquiano.
Foi a sua captura
em Bagdá, um dia
antes da prisão do
ex-ditador, que
ofereceu a oportunidade de apanhar Saddam. Ele
foi detido depois
de uma dúzia de
batidas frustradas
em Tikrit, Samarra e Baiji, cidades
muçulmanas sunitas no vale do
rio Tigre.
O informante
foi descrito como um dos cinco
auxiliares a quem Saddam atribuía tarefas essenciais. Seus movimentos eram em geral improvisados.
Combate à insurreição
Os investigadores americanos
estão examinando os contatos de
Saddam nos oito meses em que se
manteve foragido na esperança
de descobrir novos detalhes que
os ajudem a combater a insurreição que custou a vida de mais de
200 soldados americanos desde
que o presidente George W. Bush
declarou o fim das grandes operações de guerra, em 1º de maio.
Os americanos dizem que precisam saber até que
ponto as emboscadas, as explosões em estradas e
os atentados suicidas tinham por
objetivo restaurar
o regime de Saddam e até que
ponto o ditador
deposto estava dirigindo os ataques. Parte da resposta, dizem os
americanos, depende de documentos apreendidos com Saddam,
que dão indícios
de que ele oferecia
orientação e inspiração aos ataques, se não liderança operacional.
Megill se diz convencido de que
o papel de Saddam era crucial.
"Não creio que ele saísse planejando operações, mas acho que
ele fornecia orientações gerais aos
subordinados, determinando que
se concentrassem nisso ou naquilo, recrutassem membros em certa área, causassem problemas."
Se as relações de parentesco
eram básicas para a sobrevivência
de Saddam, o mesmo se aplica à
desconfiança que ele exibia com
relação a todos os que o cercam,
nascida em seus dias de juventude
como conspirador. Essa desconfiança o levou, dizem os oficiais
americanos, a organizar sua vida
como fugitivo em torno de uma
rede de células no submundo, isoladas umas das outras, usando
um modelo que ele estudou nos
livros sobre a organização bolchevique na Rússia e o homem que
tomou por modelo, Stálin.
Mensagens escritas e telefonemas de Saddam eram raros. Mas a
inteligência americana de alguma
forma penetrou no círculo interno de seus colaboradores antes da
guerra, descobrindo que um de
seus encarregados de segurança
empregava um telefone via satélite Thuraya, do modelo preferido
pelos comandantes dos EUA.
De acordo com relatos que estão circulando em Bagdá, Saddam executou pessoalmente esse
segurança depois do segundo de
dois bombardeios de precisão
que quase o mataram, em 7 de
abril. Depois, o uso de telefones
via satélite pelos seus colaboradores virtualmente desapareceu.
No final de seu governo, dizem
os oficiais americanos, um grupo
de 20 a 25 pessoas compunha o
círculo mais íntimo de Saddam.
Eles representavam os cruéis bandos tribais que eram a base de sua
força de segurança em Bagdá: pagadores que distribuíam parte
dos milhões de dólares que Saddam levava com ele, de bancos saqueados e cofres secretos em seus
palácios, quando fugiu de Bagdá,
encarregados de logística que planejavam seus movimentos e preparavam o caminho, e um séquito
de cozinheiros, motoristas e guarda-costas. Todos compartilhavam de laços de sangue e confiança, datando da ascensão de Saddam ao poder, quatro décadas antes, disseram os americanos.
Saddam tentava manter em segredo seus esconderijos e movimentos, dando grandes somas de
dinheiro aos que o abrigavam,
muitas vezes depois que seus asseclas batiam em suas portas tarde da noite, com um pedido de
ajuda para um parente anônimo.
A maior parte das casas usadas
parece ter sido de homens favorecidos por Saddam.
Para manter a lealdade dessas
pessoas e evitar a tentação da recompensa de US$ 25 milhões oferecida pelos EUA, Saddam carregava com ele grandes quantias.
Foi capturado com US$ 750 mil
em notas de cem dólares. Os oficiais acreditam que suas opções
estavam se reduzindo à medida
que seu dinheiro se esgotava. Outras posses, como jóias da extravagante coleção de sua primeira
mulher, Sajida, a mãe de Uday e
Qusay, também estavam no fim.
Saddam era transferido de um
assessor para outro, de refúgio a
refúgio, sempre um passo à frente
dos americanos. Mas houve escapadas difíceis. Antes da missão, a
1ª Brigada acreditava que tinha
informações confiáveis o bastante
sobre o esconderijo de Saddam
em 11 ocasiões. Num dos casos,
chegou oito horas atrasada.
"Meu palpite é de que ele tinha
20 ou 30 desses refúgios pelo país
enquanto se deslocava", disse o
general Raymond T. Odierno, comandante da 4ª Divisão. "Acho
que ele se deslocava sem muito
aviso prévio, a cada três ou quatro
horas". O método seria semelhante aos que a inteligência americana detectou durante a guerra do
Golfo Pérsico, em 1991, e os 21 dias
da Guerra do Iraque, neste ano.
Ele raramente dormia no mesmo
lugar por duas noites, abandonava suas comitivas, se deslocando
em táxis velhos com um ou dois
guarda-costas armados, e usava
um grupo de sósias.
Os refúgios variavam muito: casas modestas em bairros suburbanos de classe média, construções
auxiliares em propriedades de
grande porte controladas por seus
capangas ou sítios decadentes como aquele em que foi finalmente
apanhado, em Ad Dawr. Alguns
tinham paredes falsas. Outros dispunham de apertados abrigos
subterrâneos. Todos se localizavam em áreas sunitas controladas
por fiéis seguidores.
O esconderijo final
Foi um desses homens, Qais Namaq, ex-guarda de um dos palácios de Saddam em Bagdá, acompanhado por dois irmãos, que o
conduziu a uma casa de sítio à
beira-rio, em Ad Dawr. Eles foram presos durante a operação.
Uma irmã de Namaq disse, em
outra casa da família, em Ad
Dawr, que seus três irmãos cavaram o buraco e despejaram o concreto para o apertado refúgio subterrâneo no pátio da fazenda onde
Saddam foi encontrado.
Agora, a questão mais premente
para os furiosos homens de Tikrit
e Ad Dawr é por que seu ídolo caído não lutou, optando por deixar
uma pistola e um rifle Kalashnikov no chão e sair de mãos para
cima, no meio da noite. "Foi um
erro escondê-lo em um lugar repulsivo como aquele, uma desonra para Saddam, mas também
para o Iraque", disse Hatim Jassem, 35, professor de teologia. "As
pessoas o viram na TV e o acharam patético. Ele nos decepcionou. Não honrou o Iraque."
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