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CULTURA POP
Fãs de "O Senhor dos Anéis" e "Jornada nas Estrelas" aprendem a falar como os personagens dos filmes
Cinema populariza as "línguas construídas"
VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO
Com a estréia nos cinemas da
última parte da trilogia de "O Senhor dos Anéis", uma pequena
parcela dos milhões de espectadores do filme vai prestar especial
atenção nas cenas em que os atores não falam inglês: será uma rara oportunidade para testar como
andam os seus conhecimentos
práticos de síndarin. Síndarin?
Essa é uma das várias línguas
que J.R.R. Tolkien (1892-1973) inventou ao longo de sua vida e
usou nas páginas de suas obras.
Para os fãs radicais, não basta fundar clubes, ler livros, comprar vídeos, pôsteres, discos e todos os
subprodutos. O interesse é tal que
muitos decidem aprender a escrever e falar as línguas de Tolkien.
Se estivesse vivo, o escritor sul-africano radicado na Inglaterra
certamente ficaria muito contente. Ele chamava as línguas de seu
"vício secreto". Em uma carta
chegou a dizer que as aventuras
de Frodo, Gandalf e Arwen eram
secundárias: "A invenção das línguas é a fundação. As "histórias"
foram feitas mais para dar um
mundo às línguas do que o contrário. Para mim, "O Senhor dos
Anéis" é em grande parte um ensaio sobre "estética linguística'".
"Tolkien deve ter trabalhado
nisso durante mais de 50 anos. Ele
fez um trabalho extremamente
bem feito. E não foi só uma língua
que ele criou, foi uma família de
línguas", diz o escritor e tradutor
Ronald Kyrmse, 51, que acaba de
lançar o livro "Explicando Tolkien" (ed. Martins Fontes).
"A gramática do quenya [a
principal língua feita por Tolkien]
é bastante complexa e muito diferente da das línguas humanas. Em
vez usar preposições, usa terminações. Assim, navio é "cirya"
[pronuncia-se kiria] e "no navio" é
"ciryasse'", explica Kyrmse.
Como Tolkien, existem espalhados pelo mundo centenas de
outros "viciados" em criar as chamadas "línguas construídas" (ou
"línguas modelo" ou ainda "línguas artificiais"). O site LangMa
ker.com lista quase 600 línguas
construídas (com nomes como
ca'olaeg, dwêxêg, europanto, hänäthlîêr, kwaadakw, sen:esepera e
xuxuxi). O site (www.zompist.
com/kit.html) oferece até um "kit
de construção de línguas".
A curiosidade em torno das línguas élficas de Tolkien, porém,
não se compara com o fenômeno
envolvendo a série de TV e cinema "Jornada nas Estrelas". A língua falada pelos seres do planeta
Klingon pela primeira vez no filme "Jornada nas Estrelas 3: À Procura de Spock" (1984) se disseminou tanto que alguns trekkers e
jornalistas mais entusiasmados
proclamaram que hoje o klingon
tem mais falantes do que o esperanto -a língua "sem fronteiras"
criada no século 19 para servir de
ponte à união dos povos.
Se não é verdade que o klingon
tem mais adeptos do que o esperanto, nem por isso sua popularidade deixa de impressionar. O
"Dicionário Klingon", escrito pelo linguista Mark Okrand -que
criou a língua por encomenda dos
estúdios Paramount- vendeu
mais de 250 mil cópias e foi editado em países como Itália, Alemanha e Brasil. Há outras obras de
Okrand para quem quiser fazer
uma imersão: "Klingon para o
Viajante das Galáxias", "O Jeito
Klingon", "Klingon Conversacional" e "Power Klingon" (as duas
últimas são fitas para familiarizar
o iniciante com a pronúncia).
O Instituto da Língua Klingon
(www.kli.org), fundado há 12
anos, mantém site e uma ativa lista de discussão por e-mail com
mais de 1.500 inscritos, de 50 países. Para ter uma idéia da seriedade com que os estudiosos de klingon tratam o assunto, basta dizer
que já promoveram a tradução de
duas obras de Shakespeare
("Muito Barulho por Nada" e
"Hamlet"). Atualmente desenvolvem um projeto de verter a Bíblia.
O klingon é objeto de estudo em
cursos de linguística. Um dos professores que usam a língua como
ferramenta para despertar o interesse dos alunos é George Broadwell, da Universidade Estadual de
Nova York em Albany: "É uma
língua muito bem construída.
Tem uma estrutura complexa, similar à estrutura de algumas línguas indígenas americanas".
Klingon é cultura, como dá a entender Broadwell: "Quase todas as
características do klingon têm reminiscências de alguma língua
humana. Mas Okrand deliberadamente escolheu algumas das características mais incomuns das
línguas humanas para o klingon.
Em uma sentença em klingon o
objeto vem primeiro, seguido pelo verbo e aí o sujeito. É uma das
construções mais raras das línguas do mundo. Aliás, umas das
poucas línguas que usam essa ordem é a hixkaryana, de uma tribo
indígena brasileira amazônica".
Okrand, 55, que tem Ph.D. em
linguística e atualmente trabalha
no Instituto Nacional de Legendas se espanta com a dimensão
que sua criação tomou: "Achava
que as pessoas se interessariam e
aprenderiam poucas palavras. Jamais imaginei que decolaria dessa
maneira".
"Já estive em lugares onde as
pessoas só falavam klingon. Os
membros do Instituto da Língua
Klingon têm um encontro anual e
quando se juntam vão a um restaurante e só falam em klingon."
O que mais impressiona Okrand,
porém, são aqueles capazes de fazer tradução simultânea. "Eles falam melhor do que eu."
Okrand também é o responsável pela língua falada em "Atlantis: O Reino Perdido" (2001), desenho da Disney. "Quando criei a
língua klingon, pensava: "Os klingons não são seres humanos",
portanto sua língua tinha que ser
o menos humana possível, mas
não a ponto de não poder ser pronunciada pelos atores. Não há
som em klingon que não exista
em alguma língua humana. Mas o
agrupamento dos sons é único, os
sons não aparecem todos em uma
mesma fonte. Quando fiz o atlantean foi o contrário. Há uma fala
em que Milo, o herói, diz que o
atlantean é uma língua-raiz, a língua-mãe de todas as outras. Se,
linguisticamente, isso pode ser
contestado, eu tinha de fazer uma
língua que permitisse ao personagem pelo menos ter essa teoria."
Segundo Lawrence Schoen, 44,
fundador do Instituto Klingon, o
número de pessoas que falam a
língua é pequeno, mas não pára
de crescer. "A quantidade de pessoas fluentes é bem pequena. Cerca de 20 ou menos. O número de
pessoas que sabe algumas frases, é
bem maior, chega aos milhares."
Num mundo em que já existem
mais de 5.000 línguas haveria a
necessidade de se inventar outras?
Não seria melhor estudar uma
língua já existente? Para Schoen, o
klingon deve ser visto como um
hobby que ajuda a despertar o interesse pelo estudo de línguas. Se
o interesse pelo klingon continuar
a crescer, não demorará para chegar o dia em que a Terra terá os
primeiros falantes "nativos".
Schoen conhece dois casos de
pais que começaram a alfabetizar
seus filhos em inglês e em klingon. As duas experiências foram
interrompidas por "dificuldades
práticas", mas não é de se duvidar
que não faltarão outras para levar
até o fim a velha máxima klingon:
"mamevQo". maSuvtaH. ma'ov"
(nós não vamos parar, nós continuamos a luta, nós competimos).
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