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Analistas dos EUA prevêem racha no apoio à guerra
MARIA BRANT
DA REDAÇÃO
Até a semana passada, parecia
haver um consenso nos EUA de
que um ataque ao Iraque seria
não apenas a melhor, mas a única
forma de derrubar o ditador Saddam Hussein e impedir que ele
desenvolva armas de destruição
em massa. Desde 11 de setembro
de 2001, poucas vozes fora dos círculos de grupos pacifistas ou revistas de esquerda haviam se levantado para criticar a política externa de George W. Bush.
Desde segunda-feira passada,
contudo, quatro nomes importantes do Partido Democrata criticaram publicamente a forma pela qual o presidente tem se conduzido em relação ao Iraque.
O primeiro foi Al Gore, derrotado por Bush nas eleições presidenciais de 2000, que, na segunda-feira, afirmou que a política do
governo era feita sob medida para
agradar à "extrema direita".
Na quarta, o líder da maioria democrata no Senado, Tom Daschle, fez um discurso exigindo de
Bush desculpas por acusar democratas de não estarem interessados na segurança do país.
Anteontem, foi a vez do senador
Edward Kennedy, que disse que o
presidente não havia conseguido
justificar de modo consistente a
necessidade de um ataque preventivo ao Iraque, e do líder da
minoria democrata na Câmara,
Dick Gephardt, que, em um artigo no jornal "The New York Times, acusou Bush e outros republicanos de usarem a questão como "arma política".
As manifestações de oposição,
segundo especialistas ouvidos pela Folha, representam uma ruptura em relação ao clima de "unanimidade política" que caracterizou
o período pós-11 de setembro, devem enfraquecer o apoio da população a uma guerra para derrubar Saddam e podem até mesmo
se refletir nas eleições do dia 5 de
novembro próximo.
Robert Y. Shapiro, chefe do Departamento de Ciência Política da
Universidade Columbia, diz que o
sentimento "ou você está conosco
ou você está contra os EUA" está
"começando a ceder".
Segundo ele, o apoio popular a
uma invasão do Iraque "não é
muito sólido", e o debate provocado pelas críticas dos democratas pode se traduzir em perdas para os republicanos no pleito, que
vai eleger parte do Congresso, governadores e seus Legislativos.
"O que Daschle e [os outros democratas] estão tentando fazer é,
ao questionar a política externa de
Bush, lembrar a população de
problemas domésticos, relacionados à economia e a outras questões", disse Shapiro. "Se eles forem eficientes em criticar o governo e lembrar os americanos de
problemas domésticos importantes, isso prejudicará os republicanos nas eleições."
Para Stephen Zunes, professor
de ciência política da Universidade de San Francisco e editor da
"Foreign Policy in Focus", revista
de oposição ao governo, o apoio
popular a um ataque resulta de fatores que, alterados, podem estimular uma oposição mais expressiva, apesar de "não em número
suficiente para evitar um ataque".
O primeiro seria a guinada para
a direita na opinião pública após
os ataques de 11 de setembro, que
provocaram "raiva, medo e um
sentimento de nacionalismo" na
população e a tornou menos disposta a questionar o presidente.
Um questionamento por parte
dos democratas, contudo, poderia reverter isso em parte.
Em segundo lugar, viria o sucesso do governo em passar para a
população um retrato do Iraque
como "uma ameaça à segurança
americana". Segundo ele, se os
americanos sentirem que há possibilidade de muitas baixas do lado dos EUA, o apoio diminuirá.
O terceiro fator, segundo Zunes,
que publicou artigo recentemente
na revista "The Nation" refutando os argumentos do governo para um ataque, é "o fato de que
poucos americanos conhecem a
história das relações internacionais modernas". Poucos sabem,
por exemplo, que, nos anos 80,
"os EUA não consideravam o Iraque uma ameaça e, de fato, silenciosamente apoiavam o regime.
Outros fatores que contribuiriam para o apoio popular a uma
invasão do Iraque seriam "um
preconceito em relação a árabes e
muçulmanos traduzido no sentimento de que "a única língua que
eles entendem é a força'" e o fato
de que, ao contrário do caso dos
sandinistas na Nicarágua ou da
Frente de Libertação Nacional do
Vietnã, que tinham algum apoio
condicional de parte da esquerda,
"não há absolutamente nenhum
apoio ao regime de Saddam, que,
todos concordam, é um dos mais
brutais e totalitários do mundo".
De acordo com ele, também as
campanhas militares recentes dos
EUA -como as da Guerra do
Golfo (1991), de Kosovo (1999) e
do Afeganistão (2001)- "foram
em grande parte campanhas aéreas, percebidas como grandes vitórias e que resultaram em relativamente poucas baixas do lado
americano". Mas ele afirma que,
se analistas mostrarem à população que há razões para crer que
essa ofensiva será diferente, os
americanos considerarão um ataque com mais cautela.
O especialista em política externa americana em relação ao
Oriente Médio John Quigley, professor de ciência política e direito
internacional da Universidade de
Ohio, concorda em que o apoio
da população a um ataque unilateral ao Iraque é "frágil".
"Para a maioria dos americanos, se democratas e republicanos
concordam sobre um assunto,
não há nenhuma outra opinião
possível", afirmou Quigley. "Agora que os democratas estão retirando seu apoio, muitos vão pensar com mais cuidado".
Como Zunes, ele menciona reportagens recentes dos jornais
"The New York Times" e "The
Washington Post" nas quais altos
funcionários do Pentágono, não
identificados, expressam reservas
a um ataque ao Iraque.
"Eles têm uma idéia mais precisa do que seria necessário, e não
consideram viável atacar o Iraque
da forma pela qual Bush propôs",
disse. "Se um debate for gerado
pela mudança de posição dos democratas, a população pode começar a se concentrar mais claramente nos fatos que fazem com
que membros do Pentágono se
oponham a um ataque."
Mas, diferentemente de Zunes,
Quigley não crê que o governo tenha conseguido convencer a população de que o Iraque representa uma ameaça aos EUA. "A
maioria das pessoas não acredita
realmente que o atual governo do
Iraque imponha um perigo significativo aos EUA. Consequentemente, se parecer que os custos de
derrubar o governo do Iraque serão altos, a maioria vai se opor."
Matthew Crenson, professor de
ciência política da Universidade
Johns Hopkins (Baltimore),
aponta outro fator que pode estremecer o apoio dos americanos
a Bush: a falta de aval da ONU, de
aliados ou do Congresso. "A
maioria apóia uma guerra a Saddam. Mas, dentro desse apoio
amplo a uma guerra, o apoio ao
presidente Bush é forrado de dúvidas. A maioria dos americanos,
por exemplo, preferiria ir a guerra
com vários aliados e o aval explícito da ONU."
De fato, de acordo com uma
pesquisa recente do instituto Gallup, 57% dos americanos apóiam
o envio de tropas ao Iraque, mas a
proporção subiria para 60% se o
Congresso desse seu aval à ofensiva e para 79% se a ONU o fizesse.
Segundo Crenson, Bush já moderou sua posição por causa da
opinião pública. "Sua ida à ONU e
seu pedido por uma resolução do
Conselho de Segurança são mudanças em relação a sua posição
original, que era a de que, conforme ele e membros de seu governo
sugeriram, eles ignorariam não só
a ONU como o Congresso."
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