São Paulo, domingo, 29 de setembro de 2002

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Analistas dos EUA prevêem racha no apoio à guerra

MARIA BRANT
DA REDAÇÃO

Até a semana passada, parecia haver um consenso nos EUA de que um ataque ao Iraque seria não apenas a melhor, mas a única forma de derrubar o ditador Saddam Hussein e impedir que ele desenvolva armas de destruição em massa. Desde 11 de setembro de 2001, poucas vozes fora dos círculos de grupos pacifistas ou revistas de esquerda haviam se levantado para criticar a política externa de George W. Bush.
Desde segunda-feira passada, contudo, quatro nomes importantes do Partido Democrata criticaram publicamente a forma pela qual o presidente tem se conduzido em relação ao Iraque.
O primeiro foi Al Gore, derrotado por Bush nas eleições presidenciais de 2000, que, na segunda-feira, afirmou que a política do governo era feita sob medida para agradar à "extrema direita".
Na quarta, o líder da maioria democrata no Senado, Tom Daschle, fez um discurso exigindo de Bush desculpas por acusar democratas de não estarem interessados na segurança do país.
Anteontem, foi a vez do senador Edward Kennedy, que disse que o presidente não havia conseguido justificar de modo consistente a necessidade de um ataque preventivo ao Iraque, e do líder da minoria democrata na Câmara, Dick Gephardt, que, em um artigo no jornal "The New York Times, acusou Bush e outros republicanos de usarem a questão como "arma política".
As manifestações de oposição, segundo especialistas ouvidos pela Folha, representam uma ruptura em relação ao clima de "unanimidade política" que caracterizou o período pós-11 de setembro, devem enfraquecer o apoio da população a uma guerra para derrubar Saddam e podem até mesmo se refletir nas eleições do dia 5 de novembro próximo.
Robert Y. Shapiro, chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade Columbia, diz que o sentimento "ou você está conosco ou você está contra os EUA" está "começando a ceder".
Segundo ele, o apoio popular a uma invasão do Iraque "não é muito sólido", e o debate provocado pelas críticas dos democratas pode se traduzir em perdas para os republicanos no pleito, que vai eleger parte do Congresso, governadores e seus Legislativos.
"O que Daschle e [os outros democratas] estão tentando fazer é, ao questionar a política externa de Bush, lembrar a população de problemas domésticos, relacionados à economia e a outras questões", disse Shapiro. "Se eles forem eficientes em criticar o governo e lembrar os americanos de problemas domésticos importantes, isso prejudicará os republicanos nas eleições."
Para Stephen Zunes, professor de ciência política da Universidade de San Francisco e editor da "Foreign Policy in Focus", revista de oposição ao governo, o apoio popular a um ataque resulta de fatores que, alterados, podem estimular uma oposição mais expressiva, apesar de "não em número suficiente para evitar um ataque".
O primeiro seria a guinada para a direita na opinião pública após os ataques de 11 de setembro, que provocaram "raiva, medo e um sentimento de nacionalismo" na população e a tornou menos disposta a questionar o presidente. Um questionamento por parte dos democratas, contudo, poderia reverter isso em parte.
Em segundo lugar, viria o sucesso do governo em passar para a população um retrato do Iraque como "uma ameaça à segurança americana". Segundo ele, se os americanos sentirem que há possibilidade de muitas baixas do lado dos EUA, o apoio diminuirá.
O terceiro fator, segundo Zunes, que publicou artigo recentemente na revista "The Nation" refutando os argumentos do governo para um ataque, é "o fato de que poucos americanos conhecem a história das relações internacionais modernas". Poucos sabem, por exemplo, que, nos anos 80, "os EUA não consideravam o Iraque uma ameaça e, de fato, silenciosamente apoiavam o regime.
Outros fatores que contribuiriam para o apoio popular a uma invasão do Iraque seriam "um preconceito em relação a árabes e muçulmanos traduzido no sentimento de que "a única língua que eles entendem é a força'" e o fato de que, ao contrário do caso dos sandinistas na Nicarágua ou da Frente de Libertação Nacional do Vietnã, que tinham algum apoio condicional de parte da esquerda, "não há absolutamente nenhum apoio ao regime de Saddam, que, todos concordam, é um dos mais brutais e totalitários do mundo".
De acordo com ele, também as campanhas militares recentes dos EUA -como as da Guerra do Golfo (1991), de Kosovo (1999) e do Afeganistão (2001)- "foram em grande parte campanhas aéreas, percebidas como grandes vitórias e que resultaram em relativamente poucas baixas do lado americano". Mas ele afirma que, se analistas mostrarem à população que há razões para crer que essa ofensiva será diferente, os americanos considerarão um ataque com mais cautela.
O especialista em política externa americana em relação ao Oriente Médio John Quigley, professor de ciência política e direito internacional da Universidade de Ohio, concorda em que o apoio da população a um ataque unilateral ao Iraque é "frágil".
"Para a maioria dos americanos, se democratas e republicanos concordam sobre um assunto, não há nenhuma outra opinião possível", afirmou Quigley. "Agora que os democratas estão retirando seu apoio, muitos vão pensar com mais cuidado".
Como Zunes, ele menciona reportagens recentes dos jornais "The New York Times" e "The Washington Post" nas quais altos funcionários do Pentágono, não identificados, expressam reservas a um ataque ao Iraque.
"Eles têm uma idéia mais precisa do que seria necessário, e não consideram viável atacar o Iraque da forma pela qual Bush propôs", disse. "Se um debate for gerado pela mudança de posição dos democratas, a população pode começar a se concentrar mais claramente nos fatos que fazem com que membros do Pentágono se oponham a um ataque."
Mas, diferentemente de Zunes, Quigley não crê que o governo tenha conseguido convencer a população de que o Iraque representa uma ameaça aos EUA. "A maioria das pessoas não acredita realmente que o atual governo do Iraque imponha um perigo significativo aos EUA. Consequentemente, se parecer que os custos de derrubar o governo do Iraque serão altos, a maioria vai se opor."
Matthew Crenson, professor de ciência política da Universidade Johns Hopkins (Baltimore), aponta outro fator que pode estremecer o apoio dos americanos a Bush: a falta de aval da ONU, de aliados ou do Congresso. "A maioria apóia uma guerra a Saddam. Mas, dentro desse apoio amplo a uma guerra, o apoio ao presidente Bush é forrado de dúvidas. A maioria dos americanos, por exemplo, preferiria ir a guerra com vários aliados e o aval explícito da ONU."
De fato, de acordo com uma pesquisa recente do instituto Gallup, 57% dos americanos apóiam o envio de tropas ao Iraque, mas a proporção subiria para 60% se o Congresso desse seu aval à ofensiva e para 79% se a ONU o fizesse.
Segundo Crenson, Bush já moderou sua posição por causa da opinião pública. "Sua ida à ONU e seu pedido por uma resolução do Conselho de Segurança são mudanças em relação a sua posição original, que era a de que, conforme ele e membros de seu governo sugeriram, eles ignorariam não só a ONU como o Congresso."



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