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CIRCO POLÍTICO
Gafes e polêmicas do premiê italiano o distanciam da política e o aproximam do showbiz, dizem analistas
Berlusconi é eleito "descomunicador" do ano
LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO
Ninguém neste ano se comunicou tão mal quanto Silvio Berlusconi. Foi essa a conclusão à qual
chegou o júri de nove pessoas que
concedeu ao premiê italiano, na
última semana, o prêmio de "descomunicador" do ano pela Associação de Imprensa Estrangeira
em Londres.
O título do prêmio -"miscommunicator", em inglês- é um
trocadilho entre "falha de comunicação" (miscommunication) e
os concursos de miss. A láurea foi
disputada por concorrentes de
peso, como Mohammed al Sahaf,
o inacreditável ex-ministro das
Comunicações do ditador iraquiano deposto Saddam Hussein
-aquele que cantava vitória na
TV enquanto as tropas americanas invadiam Bagdá.
O júri, que incluiu jornalistas de
sete países e o ex-subsecretário de
Estado americano James Rubin,
teve um vasto material de análise.
Pródigo em declarações polêmicas, Berlusconi foi especialmente prolífico neste ano, quando defendeu o ex-ditador Benito
Mussolini (1883-1945), ofendeu
os alemães, chamou de "mentalmente deficientes" os juízes que
investigam seus negócios e ainda
assumiu a defesa do presidente
russo, Vladimir Putin, e do premiê israelense, Ariel Sharon,
quando ambos haviam tomado
medidas repreensíveis em seus
países.
A soma de gafes talvez só seja
comparável, no universo berlusconiano, à sua declaração, dada
em 2001, de que a civilização ocidental era superior à oriental e
que a primeira ia seguir dominando povos mesmo que para isso
batesse de frente com o islã.
"É errado avaliar Berlusconi do
ponto de vista político. Você só
pode entendê-lo dentro de uma
estratégia televisiva", disse à Folha Roberto Vecchi, professor de
Língua e Literatura Estrangeira na
Universidade de Bolonha.
Mais do que um político, Berlusconi é um showman. Dono de
um dos maiores impérios de mídia do país, que compreende de
canais de TV a jornais e editoras,
o premiê investe pesado na imagem de "gente como a gente".
"O que ele está buscando é um
equilíbrio entre o homem de Estado e o homem da rua", afirmou
Roberto Grandi, professor de teoria e técnica da comunicação de
massa especializado em marketing político também na Universidade de Bolonha. "Ele quer falar
como as pessoas falariam em um
café, e com isso se distanciar da
imagem do político tradicional."
Para os analistas, a personalidade de Berlusconi é a matéria-prima de seus estrategistas, e a base
de seu apoio -além de uma vasta
rede de interesses ligada a seus negócios pessoais- consiste na
massa de telespectadores. "As
pessoas que trabalham com a
imagem do Berlusconi já sabem
que ele vai fazer essas performances. Os eleitores mais educados
podem não gostar, porque ele
muitas vezes soa esdrúxulo ou
mesmo vulgar demais. Já para as
pessoas menos educadas, é um
meio de se aproximar do que elas
pensam", afirmou Grandi.
Vecchi pensa de maneira semelhante. "A metáfora da televisão é
ótima nesse caso, porque a televisão é uma coisa que parece próxima, mas na verdade está distante.
A tentativa de aproximação de
Berlusconi é televisiva, falsa. Os
interesses dele estão distantes dos
de todo mundo. Mas o sistema se
sustenta. Não é amadorismo, é algo muito engenhoso."
Segundo o professor de literatura, a TV, por sua efemeridade, cai
como uma luva para as performances de Berlusconi. "Ele é a
única pessoa que grava comentários, muitas vezes horríveis, e depois desmente como se não houvesse dito. A TV é um meio em
que você pode dizer qualquer coisa e desmentir logo, não é algo
que fica. Não é algo consistente."
Se por um lado o comportamento de Berlusconi faz parte de
uma estratégia cuidadosamente
traçada, por outro ele tem um tamanho grau de autenticidade que
faz do premiê praticamente uma
ameaça a si mesmo.
O episódio com os alemães foi
ilustrativo. No que depois disse
ter sido uma brincadeira mal interpretada, Berlusconi ofereceu a
um deputado alemão, em pleno
Parlamento Europeu, o papel de
comandante nazista em um filme.
A declaração fez o chanceler
(premiê) Gerhard Schröder cancelar suas férias na Itália, criando
um incidente diplomático especialmente delicado (Berlusconi
acabara de assumir a presidência
rotativa da União Européia, na
qual a Alemanha é o motor).
A atitude fermentou as críticas
que já vinham sendo feitas ao premiê, sobretudo em cima do conflito de interesses entre ele governar o país e comandar um império financeiro que inclui um conglomerado de imprensa.
"Os demais líderes europeus
não vêem a hora de o semestre italiano acabar", disse Grandi.
"Quando está com membros do
governo de outras países, ele conversa, por exemplo, sobre a relação dele com a mulher", afirmou
o professor, referindo-se a quando Berlusconi prometeu apresentar o premiê dinamarquês à sua
mulher porque ele era "mais bonito do que Massimo Cacciari",
um ex-prefeito de Veneza com
quem a mulher de Berlusconi, segundo a imprensa italiana, teria
uma relação extraconjugal.
Para o analista, nem a presidência da UE será capaz de mudar o
premiê. "Acho que para ele é muito difícil não dizer essas coisas. Se
ele estiver lendo, tudo bem, mas,
quando está falando, Berlusconi é
Berlusconi."
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