|
Próximo Texto | Índice
ÍNDIOS S.A.
Produção de artesanato e de vegetais pode levar comunidades à autonomia econômica
Índios exibem lado empreendedor
TATIANA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL
Os índios brasileiros entraram
para os livros de história como
aqueles que não se adaptaram ao
trabalho escravo durante a colonização portuguesa. Do episódio,
levaram, por anos, a fama de
"preguiçosos". Nos capítulos do
futuro, porém, é possível que as
tribos atuais venham a ser descritas como um povo dotado de forte habilidade empreendedora.
A suposição não é lenda. Hoje,
no território nacional, germinam
negócios promissores conduzidos por comunidades indígenas.
Os produtos têm atrativos valorizados pelo mercado -são orgânicos, artesanais, exclusivos,
bem-acabados. O modelo de gestão, social e ambientalmente responsável, já fatura prêmios.
Foram muitos os passos que fizeram o "homem puro", que caçava, pescava e plantava, virar o
negociante que hoje compra frutas do vizinho branco para fabricar polpa. "A globalização alcançou também as aldeias", diz Carmen Junqueira, pesquisadora de
etnologia indígena e professora
do Departamento de Antropologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Para a especialista, o contato
com a cultura branca via TV, por
exemplo, vem "reformulando a
organização das tribos". "Perceberam alternativas a uma necessidade financeira premente."
Autonomia
Entre as organizações não-governamentais que atuam na área,
um "novo indigenismo" ganha
força e apóia projetos dessa ordem, em defesa da autonomia
econômica das populações nativas como atalho para a libertação
do assistencialismo.
"É ruim ter de pedir tudo à Funai (Fundação Nacional do Índio), fazer um projeto a cada vez
que se quer recursos para uma
festa", ilustra Augusto Nascimento, 32, antropólogo do CTI (Centro de Trabalho Indigenista).
A ONG, que tem projetos de
educação para os povos timbiras
dos Estados do Tocantins e do
Maranhão, vem auxiliando a viabilização de uma rede produtora
batizada de Frutos do Cerrado.
Proprietária da fábrica FrutaSã,
a associação timbira Vyty-Cati
produz polpas de frutas regionais
vendidas no comércio local e, às
vezes, no Distrito Federal. Para
garantir o volume de matéria-prima necessário à competitividade,
compra frutas de pequenos produtores vizinhos da reserva.
"[A opção] é duplamente estratégica porque também forma um
cinturão de "aliados" ao redor [das
terras] e evita a invasão da cultura
de soja, que devasta a mata", observa Omar Silveira Júnior, 26, gerente administrativo do CTI.
Várias tribos também são fornecedoras. No sul do Maranhão,
as aldeias cricatis Recanto dos Cocás e Raiz vendem parte da safra à
FrutaSã. "Além das espécies nativas, outras estão sendo introduzidas, como o açaí", diz Lourenço
Milhomem, chefe do posto local
da Funai. A meta é fabricar 100
mil toneladas/ano (em comparação com as atuais 80 mil/ano).
Tradição reinventada
O projeto Arte Baniwa, conduzido por cerca de cem comunidades amazônicas das margens do
rio Içana, na região do alto rio Negro, é apontado como um "negócio de índio" bem-sucedido.
Uma parceria com a Tok &
Stok, intermediada em 1998 pela
ONG ISA (Instituto Socioambiental), converteu a cestaria baniua em produtos consumidos
nas 24 lojas da rede no Brasil.
Para inaugurar a trilha que leva
a aldeia à prateleira, foi necessária
muita flexibilidade -tanto de um
lado quanto do outro. "Tivemos
de construir um novo padrão de
negociação, reconsiderar prazos e
outras exigências feitas à indústria. Mas é totalmente válido, o
acabamento deles é admirável, e a
aceitação do público, enorme"
ressalta Cláudia Moretti, gerente
de produtos da Tok & Stok.
Na visão de Natalie Unterstell,
20, da equipe de alternativas econômicas do ISA, mais do que a geração de renda, a parceria "reinventou a tradição da cestaria".
"Não é um "resgate", é uma recriação. Hoje eles têm um manual
de produção, o aperfeiçoamento é
contínuo." Premiado pela Ashoka, ONG que incentiva o empreendedorismo, o modelo será
aplicado a produtos de outros povos, como os bancos de madeira
feitos pelo povo tucano, também
da região do rio Negro.
Próximo Texto: Frase Índice
|