São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004


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RESPONSABILIDADE

Falta de incentivos ao empresário contribui para a baixa contratação de ex-detentos

Medo infundado discrimina egresso

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Não há incentivos no Estado de São Paulo para que as empresas contratem ex-presidiários. A única motivação é a responsabilidade social, ainda pouco desenvolvida.
O preconceito é o principal obstáculo no caminho de quem esteve preso. Do outro lado do balcão, há um empresário com medo, que não vê motivo para se "arriscar" tendo ex-detentos na equipe.
Dados da Secretaria da Administração Penitenciária mostram, no entanto, que apenas 10% dos que são presos cometeram crimes graves. A estimativa é a de que, entre os delitos cometidos, 85% sejam furtos ou roubos.
"Só há incentivos para contratar detentos. Quando ganha a liberdade, quem estava trabalhando se torna mais um desempregado", diz Berenice Giannella, diretora-executiva da Funap (fundação de amparo ao preso trabalhador).
Entre os egressos atendidos pela Funap, 65% têm até 30 anos, 60% têm o ensino médio, e 66% têm renda mensal de até R$ 6.
Celso Leite Ribeiro, 47, ouve todas as manhãs a "BBC", de Londres. Além de saber inglês -deu até aulas na prisão-, tem experiência como motorista, domina datilografia e fez curso de garçom. Na última sexta, comemorou um ano de liberdade condicional. Foi também um ano inteiro sem emprego. "Só consigo bicos", diz.

Pena de morte
Em pesquisa feita pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) no final de 2003 com 543 indústrias do Estado (67% delas de pequeno porte), 8% afirmaram dar oportunidade de trabalho para ex-detentos.
Uma delas é a firma de Irineu Garcia, 47, que diz fazer campanha pela causa. "Aos amigos que me questionam, eu digo: "Você é a favor da pena de morte? Não? Então sabe que as pessoas têm capacidade de se recuperar". Todos acabam me dando razão."
Garcia também tem um argumento objetivo: "O índice de furtos na minha empresa era alto. Quando coloquei os reeducandos, não tive mais problemas. Eles possuem um código de honra".
O Estado tem cerca 130 mil presos -42,2% dos detentos do país-, e 95% deles são homens. A média de ingresso nas penitenciárias é de 5.300 detentos por mês, e a de saída, de 4.270. Manter um preso custa, em média, R$ 700 por mês para o Estado.

Controvérsia
Para o Ministério da Justiça, os Estados podem firmar convênios para o trabalho de grupos de egressos sem encargos trabalhistas, como ocorre com os detentos. Seria um incentivo às empresas.
Especialistas em direito ouvidos pela Folha, porém, discordam. A polêmica vem da interpretação dos artigos 10, 27, 28 e 29 da Lei de Execução Penal (lei nš 7.210/84). "Egresso" é o liberado definitivo (pelo prazo de um ano, a contar da saída da prisão) ou o liberado condicional e, segundo os criminalistas, não é mais "preso".
Leila Paiva, coordenadora-geral de reintegração social do Ministério da Justiça, estende ao egresso (apenas no caso dos convênios) as regras do trabalho do preso.
Nem a necessidade de incentivar a contratação de detentos e egressos é consenso. "Com tanto desemprego, não faz sentido privilegiar alguém que cometeu um crime em detrimento de quem não fez nada", diz o ex-ministro e professor titular de direito penal da USP (Universidade de São Paulo), Miguel Reale Júnior.
Para ele, as condições especiais são um desvio. "A lei não fala da privatização do trabalho. A intenção era evitar a relação de emprego entre o preso e o Estado." (BL)


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