São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2011

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11 DE SETEMBRO: DEZ ANOS DEPOIS

"E aí de repente você percebe que era uma pessoa"

Escapar com vida. Assistir horrorizado. Correr para ajudar. Dias depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, pesquisadores do Centro para a História Oral da Universidade Columbia, em Nova York, pediram aos novaiorquinos que contassem as suas experiências do dia mais assustador da história da cidade. Os seguintes relatos foram selecionados entre mais de 600 entrevistas feitas para o Projeto de História Oral do 11 de Setembro.

Lucio Caputo, 78° andar, Torre Norte
Num dado momento, por volta de 8h45, houve uma grande explosão; a torre balançava para a esquerda e para a direita, havia muita poeira por todo lado, sirenes começaram a tocar e as luzes se apagaram. Achei que havia uma grande explosão na porta ao lado, era forte e próxima demais.
Então eu saí do meu escritório para ver o que estava acontecendo, e não conseguia ver nada, por causa da poeira.
Era como uma névoa muito espessa. Mas ouvi algumas pessoas chorando ou gritando, embora eu não conseguisse vê-las, e achei que elas estavam no outro lado do andar, onde uma explosão devia ter acontecido. Eu não sabia que tipo de explosão.
Voltei para o meu escritório e decidi que ia descer. Aí peguei algumas toalhas, uma garrafa de água mineral, meu celular e uma lanterna, e desci.
E a caminho da saída recebi uma ligação de um amigo meu que era jornalista, que viu o fato na CNN, me ligou e disse: "Um avião bateu no World Trade Center, saia o mais rápido possível. Corra, corra".

John Guilfoy, funcionário da American Express, na Wall Street, 40
Um colega meu, era umas 8h50, ele parou, sentou do meu lado e disse: "Dá uma olhada pela janela". Aí vimos o que parecia ser confete, tipo uma chuva de papel picado, o que era muito estranho

Barbara Pickell, vendedora de plano de saúde, Torre Norte
Todo mundo começou a gritar, porque dava para ver as pessoas pulando do edifício.
Eu na verdade não conseguia ver ninguém na janela, porque era alto demais, um quarto de milha [400 metros] de altura, mas conforme elas caíam você começava a ver -via que algo escuro estava caindo, e aí de repente você percebia que era uma pessoa.
Uma pessoa, em particular, caiu mais para o nosso lado e, sabe, eu tenho uma lembrança realmente vívida dessa pessoa, esse homem, muito alto e magro, com um terno de três peças - vestindo um terno escuro de três peças, e parecia estar claramente desperto.

AnnMari Shannahan, consultora da Viant prestando serviço no Lehman Brothers, Torre Norte
Fiquei pensando que, se fosse realmente uma pessoa saltando, o corpo de bombeiros já deveria ter redes na base do edifício. Era completamente surreal.
Achei que não haveria como uma pessoa saltar de tão alto. Continuei achando que aquilo não poderia estar acontecendo, porque ainda não havia nenhum caminhão dos bombeiros, ainda não havia polícia.
A multidão estava ofegante, e aí a coisa continuou, uma pessoa atrás da outra. Ao longo de 15 minutos, uma pessoa atrás da outra ficou saltando do edifício. Aí eu finalmente juntei os sons que eu estava escutando. Eram na verdade os corpos batendo no chão que faziam aquele som terrível. O som ecoava pela praça.

Audrey J. Marcus, coordenadora de programas do Museu da Herança Judaica
O incrível é que naquele momento, houve um momento antes -quando vimos aquele avião, o segundo avião- e houve um momento depois, e são como dois mundos diferentes, esses dois momentos.
Ou seja, sinto literalmente que posso me lembrar do segundo exato em que todo o mundo mudou.

Gamil M. Tawfik, fundador do Arabic Channel, olhando para Manhattan a partir do Brooklyn
Quando cheguei à Atlantic Avenue, onde estacionei o carro, vi a primeira torre -a segunda torre caiu primeiro. E fiquei chocado. Achei que esse prédio nunca iria cair, e eu fiquei bravo e chateado, porque eu adorava aquele prédio.

Robert Snyder, havia passado pelo World Trade Center a caminho da Universidade Rutgers, de Nova Jersey, onde leciona
Aí olhei sobre os ombros e agora o Baixo Manhattan estava coberto de fumaça e chamas. A segunda torre tinha acabado de cair; era o estrondo que sentíamos. E olhei para trás e vi essa cena de horror: fumaça, luzes estranhas das chamas, e acima de tudo um céu impossivelmente azul e bonito.
Isso me lembrou de um cartaz de propaganda que foi produzido na Primeira Guerra Mundial, que mostrava a Estátua da Liberdade como vítima de um ataque, e um submarino alemão emergindo no porto de Nova York, e [o cartaz] dizia: "Não deixe que isso aconteça aqui". E meu pensamento era: "[Palavrão], isso está acontecendo aqui".

Rem de Lange, jornalista no Brooklyn
O que eu vi quando voltei de bicicleta foi gente saindo da ponte, eram pessoas cobertas de poeira. As primeiras estavam de certa forma em algum lugar não muito perto dos edifícios e haviam corrido para a ponte muito rapidamente, mas isso já eram umas 11h.
Essas eram pessoas que haviam ficado cobertas de poeira e haviam sido retiradas pela polícia para saírem de Manhattan pelas pontes. E a visão era muito estranha. Elas caminhavam descalças e pareciam zumbis.

John Dear, padre e voluntário do Hospital Saint Vincent
Então esperei lá por uma hora, e aí disseram que estavam transbordando de voluntários, mesmo agora, às 14h, com capelães, médicos e enfermeiros.
Mas aos poucos começaram a perceber que ninguém estava chegando. "Cadê todo mundo?", perguntavam. "Cadê os feridos?" O medo estava se instalando, ou a percepção de que não haveria muitos corpos ou feridos dando entrada no hospital.

Mark Eichler, estudante e técnico médico voluntário de emergência, sobre o desabamento do World Trade Center 7
Eu estava literalmente a meio quarteirão e ouvi umas tremendas turbinas zunindo. E falei: "Isso é estranho, porque todos os aviões pararam de voar pelo resto de dia". E não era uma turbina, era um edifício de quarenta e tantos andares caindo.
E eu vi umas 200, 300 pessoas correndo na minha direção, elas gritavam desesperadas: "Está caindo, está caindo".

Michele Fitzsimmons, bombeira
Vagamos muito, andando por um mundo apocalíptico. Havia carros esmagados, carros em chamas, carcaças de carros que haviam ficado em chamas até se consumirem totalmente, ou [cujos incêndios] haviam sido apagados por bombeiros.
Finalmente -acho que devia ser umas 11h da noite - finalmente chegamos à autopista do West Side. Saímos uns quatro ou cinco quarteirões acima de onde as torres ficavam antes.
Acho que foi a primeira vez que caiu a ficha para mim de que elas haviam ido embora mesmo, completamente, extintas. Não havia nada, a não ser uma pilha muito, muito grande de nada.


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