São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2011

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Artistas expõem em museu que picharam antes

Por RANDY KENNEDY

LOS ANGELES - Certa noite de dezembro de 1972, três artistas desceram de um velho Fusquinha verde e picharam seus nomes com tinta em spray -"Herrón, Gamboa, Gronkie"- sobre uma ponte para pedestres no Museu de Arte de Los Angeles, apropriando-se do museu inteiro como sua própria obra de arte, pelo simples fato de deixarem suas assinaturas nele.
Na manhã seguinte, Harry Gamboa Jr. voltou ao lugar com a quarta integrante do grupo, Pattsi Valdez, e imortalizou o ato com uma foto dela fazendo pose, de calças justas e um top vermelho.
A façanha do coletivo de arte conhecido como Asco trazia todos os sinais do estilo do grupo: irado, ilícito, hábil e economicamente conceitual, além de ser fotografado através da aura afetada de Hollywood, cujo letreiro o grupo podia enxergar à distância da zona leste de Los Angeles.
O ato passou despercebido por praticamente todo o mundo exceto os próprios quatro membros do grupo, que sempre foram seu maior público. Quase quatro décadas mais tarde, o mesmo museu que o coletivo desfigurou porque suas portas não estavam abertas a artistas de seu tipo -americanos de origem mexicana, da classe trabalhadora, pobres, altamente irreverentes e politizados- finalmente os está recebendo de braços abertos, e com tapete vermelho.
"Asco: Elite dos Obscuros, uma Retrospectiva, 1972-1987", a primeira retrospectiva do trabalho do grupo, foi aberta em 4 de setembro como um dos principais elementos do evento Horário Padrão do Pacífico do Museu do Condado de Los Angeles, feito com mais de 60 mostras colaborativas que serão abertas em todo o sul da Califórnia no final do verão, para contar a história da arte de Los Angeles no pós-guerra.
A história do Asco faz parte da história da arte chicana nos anos 1960 e 1970. Mas ela não se limita a isso. O Asco foi um grupo de artistas movidos não apenas por sua condição de marginais em sua cidade e seu país, mas pelo distanciamento do próprio movimento de arte chicana.
Nas palavras de Gamboa, os membros do grupo eram "exilados auto-impostos" que sentiam que a melhor maneira de exercer liberdade artística e expressar solidariedade com a causa mexicano-americana era, paradoxalmente, repudiar a maior parte da arte mexicano-americana.
Em entrevista concedida em 1997 aos Arquivos de Arte Americana do Instituto Smithsonian, um dos fundadores do grupo, o artista que dá seu nome como sendo Gronk (mas também, ocasionalmente, Groak e Grunk) descreveu o coletivo como sendo "nada mais que um rumor para muitas pessoas", visto "como um grupo de drogados, de pervertidos".
"Outros artistas chicanos nos xingavam de tudo o que se pode imaginar", ele comentou.
O nome escolhido, Asco, deu o tom bizarro -a palavra em espanhol significa nojo ou repulsa. Mas o teatro de rua imprevisível e a prodigiosa criação de imagens do grupo, que começaram no início dos anos 1970 -falsas fotos publicitárias, filmes em Super-8, folhetos de arte enviados pelos correios- deixaram claro que eles estavam expressando seu repúdio ao racismo, assédio policial e Guerra do Vietnã, usando o asco como matéria-prima.
Anos antes de Cindy Sherman começar a fotografar a si mesma como a protagonista de filmes inexistentes, o Asco deu início a um trabalho amplo intitulado "No Movies", em que seus integrantes vestiam figurinos e fotografavam cenas cinematográficas noturnas nas ruas de Los Angeles. As imagens eram enviadas pelos correios, como publicidade.
Os fundadores do Asco, que agora estão todos na casa dos 50 anos, conheceram-se na escola Garfield, de onde também saíram os membros da banda Los Lobos e que ficaria conhecida mais tarde pelo trabalho do professor Jaime Escalante, de "Stand and Deliver". Em um de seus trabalhos, "Decoy Gang War Victim", de 1974, membros do Asco foram à noite para bairros dominados por gangues e criaram falsas cenas de crimes. As imagens foram enviadas a jornais e TVs.
O grupo se desfez em 1987, em meio a desentendimentos. Hoje Patssi Valdez é pintora; Gamboa leciona no Instituto de Artes da Califórnia e é um artista plástico ativo. Willie Herrón, outro dos fundadores, é pintor e fundador da banda punk Los Illegals. Gronk é um artista de sucesso e designer de cenários de teatro.
Gamboa disse que não faz ideia se a retrospectiva trará reconhecimento, ou se, como a natureza do Asco, o coletivo sempre será mais lenda do que fato.
"Quem sabe?", disse ele. "A própria Los Angeles é assim. Um deserto cheio de miragens. Algo acontece e, num instante, a bolha estoura e a coisa desaparece."


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