São Paulo, domingo, 02 de abril de 2000


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OMBUDSMAN

Escândalo-gangorra

RENATA LO PRETE

Assim como não estava em sintonia com a iminência do afastamento de Celso Pitta na sexta-feira, 24 de março, no final de semana passado a Folha pareceu desconsiderar o cenário de uma vida curta para a liminar que tirou o prefeito do cargo.
Entre várias evidências do "enterro" precipitado de Pitta, a edição de sábado sustentou na manchete que Régis de Oliveira já estava prefeito. Era a interpretação do Ministério Público. Foi tratada como certeza, embora houvesse divergência sobre o assunto. Como se viu depois, o vice não chegou a assumir.
No domingo, o jornal anunciou para o dia seguinte o início da batalha dos advogados para tentar reconduzir Pitta ao Palácio das Indústrias.
Com essa edição em mãos, o leitor ficou sabendo por rádio, TV e Internet que um recurso havia sido aceito já no domingo e Pitta estava de volta.

 Na capa da edição de sábado, a que noticiou o afastamento de Pitta, o jornal destacou o fato de que a ação dos promotores se baseou na "relação do prefeito com o empresário Jorge Yunes, revelada pela Folha".
A formulação é 50% correta. Das quatro reportagens utilizadas na acusação, duas foram feitas por outros jornais da casa: uma pelo "Agora" e outra (a que revelou o empréstimo de Yunes a Pitta) por sua antecessora, a "Folha da Tarde".
Só em página interna houve menção a esses jornais. Ainda que tenha publicado as duas histórias, não é correto que a Folha reivindique o mérito por elas.

 O esgotamento do efeito novidade nas acusações de Nicéa Pitta está deixando a imprensa desnorteada, a ponto de levar a Câmara Municipal mais a sério do que os antecedentes da Casa recomendam.
Na quarta-feira passada, quase todos os jornais de São Paulo apostaram suas fichas no diagnóstico de que já havia votos suficientes para aprovar a abertura do processo de impeachment.
Até o número era o mesmo nas diferentes reportagens: 45 dos 55 vereadores, dizia-se, estavam a favor (eram necessários 33).
Na quinta, os títulos vieram em sentido oposto. Os convertidos ao impeachment "ameaçavam recuo". O processo "começava a derrapar".
Na sexta, surgiram tentativas de explicação: ameaças de retaliação, ofertas atraentes. Ou seja, nada muito diferente do que se verificou nas outras ocasiões em que Pitta precisou salvar seu pescoço na Câmara.
É improvável que a inclinação tenha mudado radicalmente de um dia para outro. É mais plausível interpretar que a declaração de voto colhida pelos jornais não tinha consistência para virar manchete.

 No "Estado" de sexta-feira, Nicéa disse possuir "30 novas fitas" com denúncias contra nomes diversos na cúpula da prefeitura paulistana. O texto saiu em um pé de página, indício de que mesmo o jornal que a ex-primeira-dama mais admira (declaração recente dela) começa a se cansar da dinâmica de suas acusações.
Logo depois da entrevista à Rede Globo, há três semanas, poucos se atreviam a registrar com algum distanciamento as afirmações de Nicéa, tomadas como fato e sem reservas.
Agora, quase todos têm a preocupação de ressalvar que ela declarou isso ou aquilo "sem apresentar provas".
Nicéa pode falar em 30, 60 ou 90 fitas. Se mantidas no padrão atual, suas aparições tendem a enredá-la cada vez mais e os alvos cada vez menos.

 Na noite de sexta-feira, as Redações foram agitadas pela lista com nomes de vereadores e números em código publicada pela revista "IstoÉ", um papel de autenticidade e significado ainda por determinar.
Ele iria ao encontro da principal acusação de Nicéa, a de que seu ex-marido livrou-se do impeachment, em maio do ano passado, pagando pelo apoio de vereadores.
É cedo para prever os desdobramentos da reportagem, mas ela parece capaz de dar novo impulso a este escândalo-gangorra, que vinha em rota descendente desde que Pitta voltou ao cargo.
Caso isso aconteça, será a primeira revista semanal a contribuir com novidade de peso para a cobertura.



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