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OMBUDSMAN
Do dilema ao impasse
BERNARDO AJZENBERG
O uso de sequestro para obter
dinheiro, puro e simples, teve impulso no Brasil desde meados da década de 80.
O marco foi o do banqueiro
Antônio Beltran Martinez, em
novembro/dezembro de 1986, até
então o mais longo (41 dias).
O dilema de publicar ou não o
fato quando ainda em andamento frequentou as redações
da imprensa naqueles anos. Ajuda ou atrapalha? Segue-se ou
não o pedido da polícia, ou da
família?
De lá para cá, não se pode dizer que o dilema deixou de existir na cabeça de cada jornalista
sempre que algum evento desse
tipo ocorre, mas a verdade é que
os meios de comunicação, cada
qual a seu modo, acabaram por
adotar políticas mais ou menos
definidas sobre o assunto.
Foi o que se expressou no caso
da família Abravanel, cujo desfecho aconteceu de forma inusitada na última quinta-feira.
A Folha e o "Estado de S.Paulo", por exemplo, tiveram a mesma posição. Nada publicaram,
em respeito ao pedido feito pela
família, salvo após o desenlace
do caso.
O "Jornal do Brasil" e "O Globo", do Rio, fizeram o contrário:
publicaram a ocorrência apesar
da demanda da família.
Há quem apregoe algo intermediário. Implicaria, por exemplo, publicar o fato de modo sucinto e anunciar, ao mesmo tempo, que o veículo não noticiará
mais nada até a conclusão.
Por trás de cada uma dessas
posições, deixe-se claro, está o
mesmo fim: evitar a morte do refém, buscar uma conciliação entre vida e informação, direito da
sociedade à informação e risco
de morte do refém; interesse público e sobrevivência individual.
Não é fácil apontar o certo e o
errado, o mais ou menos ético,
como numa suposta competição
deontológica. Treze ombudsmans de diferentes países que
consultei (incluindo EUA e alguns da Europa) foram unânimes em apontar a dificuldade
que seus jornais encontram para
solucionar tais problemas.
No caso da Folha, a definição
consta de seu "Manual" desde a
versão de 1984: "A Folha publica
tudo o que sabe. Em casos excepcionais admite não publicar informações cuja divulgação coloque em grave risco a segurança
pública, a segurança de uma
pessoa ou de uma empresa".
Com pequenas modificações, esse texto prevalece nas versões
posteriores do manual, até hoje.
O título de artigo publicado no
jornal em 11 de agosto de 1989
pelo advogado e então articulista Luís Francisco Carvalho Filho
afirma: "Dever de informar pode
ser sacrificado em nome da segurança do sequestrado".
Desse ponto de vista, independentemente de que a divulgação
possa, em hipótese, auxiliar o
trabalho da polícia (por possibilitar denúncias anônimas, por
exemplo), o inerente risco de
morte em crime de sequestro,
aliado à imprevisibilidade das
reações de um sequestrador, basta para omitir a informação.
O jornal, não tendo por vocação constituir um apoio a operações policiais, publica ao final do
evento aquilo que apurou e explica, ao leitor, o motivo do procedimento.
Foi por concordar com essa visão, aliás, que não abordei o assunto na semana passada.
Show de jornalismo
Mas o caso Abravanel, em especial nas sete horas em que Silvio Santos ficou refém de Fernando Dutra Pinto, na quinta-feira, trouxe outro problema de
fundo para a imprensa.
Não um dilema de certa forma
regulamentado, com razoável
jurisprudência, mas um verdadeiro impasse: qual é a função
do jornal impresso numa cobertura como essa?
Rádio, televisão e internet cobriram os acontecimentos minuto a minuto durante mais de oito
horas. Fato sintomático, extraordinário, redes de TV chegaram a abrir mão de espaços publicitários para manter o noticiário no ar.
Em que pesem informações desencontradas e certo exagero na
"espetaculização", houve, sim,
um show de jornalismo.
O problema, para os jornais,
foi justamente esse: o que trouxeram de novo em relação aos
outros meios nas edições de sexta-feira? Uma leitura atenta
constatará, infelizmente, que,
apesar do esforço, não somaram
quase nada.
Além de publicarem informações às vezes conflitantes, como
aconteceu com as TVs ao vivo,
preocuparam-se, acima de tudo,
com uma reprodução dos fatos,
já acompanhados pelos próprios
leitores no dia anterior. Prato requentado, odor de "déjà vu".
Eis a encruzilhada do jornalismo diário impresso. Ele precisa
buscar novas formas de dar conta das necessidades de seus consumidores, que são também consumidores dos meios de informação imediata. Descobrir, decifrar essas necessidades específicas e próprias.
Razão de ser
Como se diferenciar? Faltou
análise, faltaram entrevistas exclusivas, enfoques criativos. Faltou o confronto de perspectivas.
O que aconteceu dentro da casa do dono do SBT naquelas sete
horas? Uma câmera não podia
entrar lá, mas uma apuração
profunda poderia "arrancar" como e o que de fato sucedeu ali.
Trata-se de um problema de
seletividade, de qualidade da informação, não de quantidade.
Mal ou bem, para um lado ou
outro, as empresas, enquanto
instituições -apesar das dúvidas e divergências que possam
persistir entre os indivíduos que
as compõem-, solucionaram,
após discussão, o dilema sobre
divulgar ou não sequestro em
andamento.
Mas esse impasse de conteúdo,
referente à razão de ser dos jornais, impasse inflado pelo crescimento do "tempo real" na internet, está longe da superação.
É verdade que no Brasil a circulação de jornais vem crescendo. O que se discute aqui, porém,
é a natureza desse meio. O que
ele quer de si próprio?
Ou as redações encaram a polêmica, aprimorando suas prioridades, ou a utilidade do jornal
de papel continuará a definhar.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
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ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
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