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São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

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OMBUDSMAN

Nossa pneumonia

BERNARDO AJZENBERG

No dia 16 de abril, a Folha publicou uma reportagem sob o título "'Não quero asiáticos na feira", diz organizador".
Ela destacava declaração do presidente da Agrishow, feira internacional de tecnologia agrícola encerrada ontem em Ribeirão Preto (SP), cuja íntegra é a seguinte:
"Nós não queremos que asiáticos venham para cá. Não quero asiáticos na feira. Não quero nem sul-africano na feira. É melhor que não venham até tudo isso passar".
"Isso", no caso, é a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars, na sigla em inglês), o novo assunto da mídia internacional desde a queda de Bagdá (Iraque), no último dia 9.
As embaixadas da China e da África do Sul mostraram perplexidade, a organização do evento disse depois que haveria uma retratação -e a coisa, pelo menos na mídia, ficou por isso mesmo.
O problema que esse tipo de declaração implica, porém, continuou a proliferar nos meios de comunicação, cuja maioria no Brasil, inclusive a Folha, chama a Sars de "pneumonia asiática".
Em crítica interna da última segunda-feira, inspirado por um e-mail mandado no sábado por um leitor do Ceará, propus o abandono dessa denominação, sob o argumento de que ela sugere preconceito, induz à discriminação étnica.
Naquele e-mail, depois de recordar que nos seus tempos iniciais (década de 80) a Aids chegou a ser chamada de "câncer gay" (lembro-me também de "peste gay"), o leitor, que é médico pediatra, relatava a observação feita em seu consultório por um casal (profissionais de nível superior) de que seria "improvável que a doença (a Sars) pudesse ocorrer em nosso Estado (CE) porque não há colônia oriental em Fortaleza e, apesar de destino turístico, não são os chineses os principais clientes de nossos aeroportos (sic)".
O exemplo é cristalino, como o fornecido no caso do presidente da Agrishow.
Apesar de relacionada aos casos ocorridos na Ásia, em especial na China, onde se registrou até agora a maioria absoluta de suas vítimas, a Sars não é uma "patologia continental", como lembra a mensagem do leitor.
E ela acrescenta: "Não há nenhuma possibilidade deste vírus se confinar a orientais -qualquer um, branco, negro, amarelo ou pardo, pode contaminar-se".
Jornais de poucos países escrevem "pneumonia asiática". A maioria adota "pneumonia atípica", conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), ou simplesmente Sars. Por que o Brasil não faz o mesmo, a começar pela Folha?



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