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OMBUDSMAN
Nossa pneumonia
BERNARDO AJZENBERG
No dia 16 de abril, a Folha
publicou uma reportagem
sob o título "'Não quero asiáticos
na feira", diz organizador".
Ela destacava declaração do
presidente da Agrishow, feira internacional de tecnologia agrícola encerrada ontem em Ribeirão Preto (SP), cuja íntegra é a
seguinte:
"Nós não queremos que asiáticos venham para cá. Não quero
asiáticos na feira. Não quero
nem sul-africano na feira. É melhor que não venham até tudo
isso passar".
"Isso", no caso, é a Síndrome
Respiratória Aguda Grave (Sars,
na sigla em inglês), o novo assunto da mídia internacional
desde a queda de Bagdá (Iraque), no último dia 9.
As embaixadas da China e da
África do Sul mostraram perplexidade, a organização do evento
disse depois que haveria uma retratação -e a coisa, pelo menos
na mídia, ficou por isso mesmo.
O problema que esse tipo de
declaração implica, porém, continuou a proliferar nos meios de
comunicação, cuja maioria no
Brasil, inclusive a Folha, chama
a Sars de "pneumonia asiática".
Em crítica interna da última
segunda-feira, inspirado por um
e-mail mandado no sábado por
um leitor do Ceará, propus o
abandono dessa denominação,
sob o argumento de que ela sugere preconceito, induz à discriminação étnica.
Naquele e-mail, depois de recordar que nos seus tempos iniciais (década de 80) a Aids chegou a ser chamada de "câncer
gay" (lembro-me também de
"peste gay"), o leitor, que é médico pediatra, relatava a observação feita em seu consultório por
um casal (profissionais de nível
superior) de que seria "improvável que a doença (a Sars) pudesse ocorrer em nosso Estado (CE)
porque não há colônia oriental
em Fortaleza e, apesar de destino turístico, não são os chineses
os principais clientes de nossos
aeroportos (sic)".
O exemplo é cristalino, como o
fornecido no caso do presidente
da Agrishow.
Apesar de relacionada aos casos ocorridos na Ásia, em especial na China, onde se registrou
até agora a maioria absoluta de
suas vítimas, a Sars não é uma
"patologia continental", como
lembra a mensagem do leitor.
E ela acrescenta: "Não há nenhuma possibilidade deste vírus
se confinar a orientais -qualquer um, branco, negro, amarelo
ou pardo, pode contaminar-se".
Jornais de poucos países escrevem "pneumonia asiática". A
maioria adota "pneumonia atípica", conforme a Organização
Mundial da Saúde (OMS), ou
simplesmente Sars. Por que o
Brasil não faz o mesmo, a começar pela Folha?
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
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